O Mundo à Venda
Javier Blas e Jack Farchy

Dinheiro, Poder e os Traders que negociam os recursos do Planeta.

Sumário

Introdução: Os Últimos Aventureiros

Esta não era uma viagem de negócios normal, mesmo para Ian Taylor. Em quatro décadas negociando petróleo, Taylor aterrissou em muitos lugares quentes, de Caracas a Teerã. No entanto, essa viagem — com destino a Benghazi, na Líbia, no meio de uma guerra civil — era uma experiência nova.

Taylor, executivo-chefe da Vitol, a maior empresa de comércio de petróleo do mundo.

Era o início de 2011, e toda aquela região estava no meio de uma onda de revoltas populares que viria a ser conhecida como a Primavera Árabe. Na Líbia, as forças que se revoltaram contra a ditadura de 42 anos do Coronel Muammar Gaddafi tinham acabado de assumir o controle de Benghazi, a cidade mais importante do leste do país, e de fundar o próprio governo.

O exército desorganizado de rebeldes tinha um grande problema, no entanto. Eles estavam ficando sem combustível. Os rebeldes precisavam urgentemente de diesel e gasolina para seus veículos militares e óleo combustível pesado para operar suas centrais elétricas. As próprias refinarias da Líbia haviam sido fechadas por causa da guerra.

Se havia alguém que poderia correr o risco de abastecer um exército rebelde no meio de uma guerra sangrenta, era Ian Taylor. Calvo, magro e incansável, Taylor transformara a Vitol de uma distribuidora de combustível de médio porte em uma gigante do trading de petróleo. Nesse processo, ele também transformou-a em uma força poderosa na economia global, movimentando diariamente petróleo suficiente para abastecer Alemanha, França, Espanha, Reino Unido e Itália juntos. Ele nunca teve medo de levar a Vitol a lugares onde outros temiam pisar. E, em um mundo onde petróleo e dinheiro andam de mãos dadas com o poder, ele não era de se esquivar de acordos que carregassem um significado geopolítico mais amplo.

Quando, algumas semanas antes, a possibilidade de um acordo com os rebeldes líbios veio à tona, Taylor não hesitou. A equipe da Vitol no Oriente Médio recebeu uma ligação do governo do Catar. O pequeno Estado do Golfo, rico em gás, tornou-se um importante apoiador político e financeiro dos rebeldes líbios, atuando como seu intermediário com os governos ocidentais e fornecendo-lhes armas e dinheiro. No entanto, comprar petroleiros cheios de produtos petrolíferos refinados e entregá-los em uma zona de guerra estava além da capacidade do Catar, que precisava da ajuda de um trader de commodities. Os catarianos queriam saber se a Vitol poderia fornecer diesel, gasolina e óleo combustível para Benghazi.

Havia um grande problema: os rebeldes não tinham dinheiro. Em vez disso, a Vitol receberia o pagamento na forma de petróleo bruto proveniente dos poucos campos petrolíferos que os rebeldes controlavam. Em teoria, isso não deveria representar um problema: a Vitol poderia entregar combustível através do Mediterrâneo até o porto de Benghazi, enquanto recebia petróleo bruto por meio de um oleoduto para a cidade costeira de Tobruk, perto da fronteira egípcia e longe do confronto.

Vitol foi mais agressiva: estava disposta não apenas a lidar com o carregamento de combustíveis, mas também a conceder crédito aos rebeldes líbios — efetivamente emprestando-lhes dinheiro.

A empresa tinha outra vantagem: suas conexões políticas em Londres e Washington. Taylor, um talentoso operador social com o carisma de um político nato, foi um dos principais doadores do Partido Conservador que estava no poder. Sua lista de  contatos nas elites empresariais e políticas de Londres era inigualável.

Enquanto Taylor descia para aquilo que ainda era uma zona de guerra, ele sabia que, se algo desse errado, ele estaria sozinho.

A possibilidade de fogo antiaéreo por parte das forças de Gaddafi significava que um pouso convencional era muito arriscado; assim, o piloto desceu o mais rápido que o jato poderia mergulhar. Fora os dois guarda costas contratados e Chris Bake, um neozelandês atarracado que dirigia as operações da Vitol no Oriente Médio, Taylor estava sozinho naquele pequeno avião.

Se a descida lhe revirou o estômago, o que o esperava em terra firme não ofereceu muito conforto. Na primavera de 2011, Benghazi era um lugar instável e sem lei. A cidade — basicamente um conjunto de prédios de concreto empoeirados agrupados em torno de uma lagoa fétida — estava localizada a apenas algumas centenas de quilômetros da linha de frente de um conflito em andamento. O ar estava carregado com os sons e odores da guerra. Hospitais com cheiro de putrefação estavam transbordando de amputados e outras vítimas. As ruas poeirentas estavam repletas de homens e meninos com fuzis Kalashnikov amarrados às costas.

À noite, apagões aleatórios deixavam a cidade sem eletricidade por horas a fio. Patrulhas de jovens fortemente armados haviam montado postos de controle nas estradas ao redor da cidade. Desse ambiente desordenado emergiria o grupo armado que, um ano depois, invadiria o consulado dos EUA e mataria Chris Stevens, o embaixador na Líbia.

Os cidadãos de Benghazi, exaustos por décadas de ditadura e meses de guerra, se escondiam em suas casas.

Benghazi era, já há muito tempo, o centro da indústria petrolífera da Líbia. As reservas de petróleo mais ricas do país estavam localizadas em extensões desabitadas do deserto ao leste do país — mais perto de Benghazi do que de Trípoli, a capital, que seguia firmemente sob o controle de Gaddafi. A maioria dos campos petrolíferos foi sendo abandonada conforme os confrontos tomavam conta do país, e os principais geólogos e engenheiros de petróleo da Líbia se reuniam à noite na praça principal de Benghazi para discutir a situação de seu país.

Se Taylor iria lidar com os rebeldes, ele queria saber quem estava do outro lado da transação. Ele sabia, por décadas de experiência no Oriente Médio, que uma garantia pessoal poderia ser mais importante do que um contrato cuidadosamente elaborado. E, de qualquer forma, de pouco serviria um contrato quando se tratava de um governo rebelde operando em ministérios improvisados a mil quilômetros da capital do país.

Taylor estava satisfeito. O homem do outro lado de um dos negócios mais arriscados da Vitol não era um lunático enlouquecido pela guerra, mas um profissional da indústria do petróleo. Ele apertou suas mãos e voltou para Londres. “Foi uma aposta, mas uma aposta razoável”.

Quase imediatamente, a intervenção da Vitol alterou a balança da guerra. Garantir combustível suficiente sempre foi um determinante crucial para a vitória nas extensões desérticas vazias do Norte da África.

Foi aqui, durante a Segunda Guerra Mundial, que o exército de Erwin Rommel, o general alemão
popularmente conhecido como “A Raposa do Deserto”, fracassou depois de ficar sem combustível.

Agora, o exército rebelde da Líbia tinha combustível suficiente para evitar o destino de Rommel. Graças à Vitol, eles poderiam alimentar seus tanques e “táticos” — a combinação improvisada de uma caminhonete com uma metralhadora soldada na caçamba, que era o veículo preferido dos militares rebeldes.

O principal objetivo estratégico era tomar as cidades petrolíferas mais a oeste — Marsa al-Brega, Ras Lanuf e Es Sider —, por meio das quais os partidários de Gaddafi ainda controlavam o acesso às riquezas petrolíferas da Líbia. Após as primeiras entregas de combustível da Vitol, Marsa al Brega caiu nas mãos dos rebeldes em 17 de julho. Em poucas semanas, eles tomaram Ras Lanuf e Es Sider, e de lá assumiram o controle dos campos petrolíferos da bacia de Sirte, local onde o petróleo foi descoberto pela primeira vez na Líbia em 1959. Em outubro, encurralaram os partidários de Gaddafi em uma pequena região a oeste de Sirte. Um dia, por fim, um grupo de combatentes rebeldes surpreendeu o comboio de Gaddafi, e o homem que governou a Líbia com mãos de ferro por quatro décadas fugiu, procurando abrigo em um cano de esgoto. Os rebeldes o arrastaram para fora e o espancaram até a morte — um momento horrível de triunfo que foi filmado em um telefone celular e transmitido para todo o mundo.

Apesar da promessa de que a existência do acordo permaneceria em segredo, logo se tornou público que os rebeldes concordaram em vender seu petróleo para receber combustível em troca. Em resposta, as forças de Gaddafi enviaram homens pelo deserto para explodir o oleoduto essencial Sarir-Tobruk, que ligava os campos de petróleo controlados pelos rebeldes a um terminal de exportação na costa do Mediterrâneo — o local onde a Vitol havia previsto receber o petróleo bruto que estava aceitando como pagamento.

Taylor tinha um dilema em mãos. Não havia mais como a Vitol ser paga com remessas de petróleo. Cada carregamento de combustível que a trading house entregasse representaria uma exposição financeira cada vez maior aos rebeldes, que não tinham governo ou banco central, além de pouca reputação internacional. Se Taylor continuasse a supri-los, estaria, de fato, apostando a sua empresa na vitória dos rebeldes.

Ele decidiu assumir o risco. Até então, ele havia passado trinta anos construindo uma rede no Oriente Médio. Se optasse por desistir do acordo com os rebeldes da Líbia, decepcionaria não somente eles, como também os seus contatos de longa data no Catar — país que há muito vinha sendo uma fonte lucrativa de negócios para a Vitol.

Há traders rivais que acreditam que possa ter havido outra razão pela qual Taylor se sentiu confortável em manter o acordo com os rebeldes líbios: Gaddafi tinha bilhões de dólares congelados em contas bancárias no Ocidente. Se a guerra tivesse terminado mal para o acordo da Vitol, os amigos que Taylor mantinha nos governos ocidentais poderiam assegurar que a empresa seria reembolsada com esses recursos congelados.

Nos meses subsequentes, os petroleiros da Vitol transportaram carga após carga. Os barcos entravam nos portos da Líbia à noite com ordens para completar o descarregamento e sair às escondidas novamente antes do amanhecer. Às vezes, os confrontos aconteciam ao alcance dos ouvidos da tripulação do navio, que se encontrava sobre centenas de milhares de barris de combustível altamente inflamável.

A cada remessa, as apostas se tornavam mais altas para a Vitol. Ao longo de cinco meses, a trader despachou trinta carregamentos de gasolina, diesel, óleo combustível e gás liquefeito de petróleo para a Líbia. A certa altura, enquanto todos esperavam que a guerra terminasse e a produção de petróleo recomeçasse, o valor devido pelo governo rebelde à Vitol subiu para mais de US$1 bilhão — uma quantia grande o suficiente para ameaçar a sobrevivência da trader, que teria dificuldade de se recuperar caso a guerra terminasse de forma diferente. “Foi um acordo que, para ser honesto, ficou muito maior do que deveria”, disse Taylor. “Poderia ter dado muito, muito errado.”

Sem US$1 bilhão em combustível naquele momento de necessidade, os rebeldes certamente teriam sido derrotados. “O combustível da Vitol era muito importante para os militares”, disse Abdeljalil Mayuf, funcionário da Arabian Gulf Oil em Benghazi, controlada pelos rebeldes, em 2011. Não foi a primeira vez que um comerciante de petróleo moldou a história do Oriente Médio, e não seria a última.

Para a Líbia, no entanto, a história não teve um final feliz. Nos anos depois que Taylor voou para Benghazi, o país passou de um conflito para outro. A morte de Gaddafi não encerrou os conflitos: guerrilheiros locais de leste a oeste no país continuaram a batalhar pelos recursos petrolíferos. Em 2014, a Líbia mergulhou em uma segunda guerra civil — que, no momento desta escrita, ainda está latente. E a queda de Gaddafi teve efeitos desestabilizadores mais amplos em toda a região, pois o arsenal do exército líbio foi contrabandeado para zonas de conflito, dentre as quais a Síria, onde o grupo terrorista Estado Islâmico estava começando a se firmar.

À medida que os cadáveres se acumulavam na Líbia e os efeitos da guerra civil se espalhavam pelo Oriente Médio, Taylor passou a questionar a sensatez de sua intervenção. “É difícil saber se acertamos”, disse ele a um entrevistador em 2019. “Eu estava pensando na Líbia outro dia e fiquei muito chateado com isso — talvez não devêssemos ter feito aquele acordo.”

Os negócios da Vitol na Líbia demonstram o enorme poder que os traders de commodities exercem no mundo contemporâneo. Poucos de nós experimentam o poder deles tão diretamente quanto os líbios o fizeram, mas, quer saibamos ou não, somos todos clientes deles. A maioria de nós dá como certa a facilidade com que podemos abastecer nossos carros, comprar um novo smartphone ou pedir uma xícara de café colombiano. Mas sustentando quase todo o nosso consumo está um comércio internacional frenético de recursos naturais. E sustentando esse comércio, dos escritórios em cidades pacatas na Suíça ou na Nova Inglaterra, estão os traders de commodities.

Pouco notados e escrutinados, os traders de commodities tornaram-se peças essenciais na economia atual. Sem eles, os postos de gasolina ficariam sem combustível, as fábricas parariam e as padarias ficariam sem farinha.

Eles costumam dizer que são apolíticos, motivados pelo lucro e não pela busca do poder. Mas há pouca dúvida de que, como mostram os acordos da Vitol com os rebeldes da Líbia, eles moldaram a história.

No Iraque, os traders de commodities ajudaram Saddam Hussein a vender petróleo, contornando as sanções da ONU; em Cuba, trocaram açúcar por petróleo com Fidel Castro, ajudando a manter viva a revolução comunista; e venderam secretamente milhões de toneladas de trigo e milho dos EUA para a União Soviética, sustentando Moscou no auge da Guerra Fria. Quando Igor Sechin, chefe da gigante petrolífera russa Rosneft e aliado do presidente Vladimir Putin, precisou levantar US$10 bilhões em pouco tempo, para quem ele ligou? Para os traders de commodities.

Embora a importância dos traders de commodities tenha crescido nas últimas décadas, seu número permaneceu relativamente pequeno: grande parte dos recursos comercializados no mundo é administrada por apenas algumas empresas, muitas delas pertencentes a apenas algumas pessoas. As cinco maiores trading houses de petróleo movimentam, diariamente, 24 milhões de barris de produtos brutos e refinados, como gasolina e combustível de aviação, o que equivale a quase um quarto da demanda mundial de petróleo. Os sete principais traders agrícolas lidam com pouco menos da metade dos grãos e oleaginosas do mundo. A Glencore, a maior trader de metais do mundo, responde por um terço da oferta mundial de cobalto, uma matéria prima crucial para veículos elétricos. Mas mesmo esses números subestimam o papel dos traders: como os participantes mais rápidos e agressivos do mercado, muitas vezes são seus negócios que determinam os preços.

Ficamos impressionados com o poder e a influência concentrados nas mãos de apenas alguns traders de commodities, e igualmente surpresos com o pouco que se sabe sobre eles — principalmente por parte dos reguladores e governos. Até certo ponto, isso é proposital. Em sua maioria, os traders de commodities são empresas privadas, com menos obrigação de divulgar informações sobre as próprias atividades do que suas contrapartes listadas publicamente. Tradicionalmente, muitos têm visto o seu acesso superior à informação como uma vantagem competitiva — e, portanto, fizeram um grande esforço para evitar fornecer qualquer informação sobre si mesmos. Como Ian Taylor, que morreu em 2020, disse enquanto se sentava conosco para uma entrevista para este livro: “Preferiríamos que você não o escrevesse.”

Assim, o setor permaneceu oculto nas sombras, exceto pelas estranhas ondas de interesse — geralmente quando os preços sobem ou quando surge um escândalo. Em três quartos de século, apenas um punhado de livros foi escrito a respeito. E os jornalistas, com poucas exceções, desistiram de tentar escrever sobre empresas que recebem suas perguntas com uma parede de silêncio (e, ocasionalmente, com cartas legais ameaçadoras).

Este livro surgiu do desejo de entender e explicar essas empresas e indivíduos enigmáticos. Tivemos sorte com o nosso timing: esse interesse surgiu em um momento em que os traders de commodities estavam saindo das sombras. O mais impressionante é que a Glencore abriu capital em 2011, na maior cotação de todos os tempos no mercado de Londres — um movimento que a forçou a começar a ser mais transparente em relação às finanças e a se submeter às perguntas dos investidores e da mídia. Seus concorrentes também começaram a contratar consultores de relações públicas, publicando informações sobre suas finanças e concedendo entrevistas a jornalistas.

O foco deste livro está direcionado às empresas e aos indivíduos cujo negócio é comprar e vender commodities físicas. São eles que controlam o fluxo de recursos naturais ao redor do mundo; é em suas mãos que se concentra um tipo quase único de poder político e econômico.

nosso foco está nas empresas e indivíduos cuja atividade principal não é produzir nem consumir commodities, mas comercializá-las. Estas são as empresas às vezes conhecidas como “traders independentes” ou “trading houses”. Ainda assim, não podemos esperar fornecer um relato exaustivo de todos os traders de cada commodity da história. Em vez disso, nos concentramos nas empresas que dominaram os mercados de petróleo, metais e agricultura nos últimos 75 anos e que tiveram um papel crítico no desenvolvimento da economia global.

Hoje, a Glencore é a maior trader de metais e de trigo do mundo, e uma das três maiores traders de petróleo. De um prédio modesto em uma pacata cidade suíça, ela tem interesses que vão do trigo canadense ao cobre peruano, passando pelo petróleo russo.

Na agricultura, a Cargill impera. A empresa norte-americana, que é a maior comercializadora de grãos do mundo, traz consigo a tranquila autoconfiança das gerações de riqueza do Centro-oeste sobre as quais foi construída. Como a maior trading house que está há mais tempo no auge de sua indústria, ela é também a mais corporativa.

O negócio básico dos traders de commodities é incrivelmente simples: comprar recursos naturais em um determinado lugar e hora, e vendê-los em outro — possivelmente lucrando no processo. Seu papel existe porque a oferta e a demanda de commodities geralmente não são correspondentes. A maioria das minas, fazendas e campos petrolíferos não está localizada no mesmo lugar que os compradores de seus produtos. E nem todo minerador de cobre ou produtor de soja pode se dar ao luxo de ter uma rede de escritórios em todo o mundo para vender seus produtos. Além disso, na maioria das vezes, os mercados de commodities estão com excesso ou falta de oferta. Os traders, sempre ágeis e flexíveis, estão sempre prontos para tirar uma commodity das mãos do produtor, desde que o preço seja justo, ou fornecê-la ao consumidor que estiver disposto a pagar. Para um exemplo de como isso funciona na prática, basta olhar para a queda do preço do petróleo em 2020. À medida que a pandemia do coronavírus se espalhava pelo mundo, suspendendo voos e forçando as pessoas a ficarem em casa, o preço do petróleo despencou vertiginosamente, ficando brevemente abaixo de zero pela primeira vez na história. E assim os traders entraram em cena, comprando petróleo a preços extremamente baratos e armazenando-o até que a demanda se recuperasse. Alguns até conseguiram comprar barris a preços negativos, o que significa que os produtores tiveram que pagar para tirá-los de suas mãos.

Os traders de commodities são arbitradores por excelência, tentando explorar uma série de diferenças de preços. Como eles estão constantemente fazendo negócios para comprar e vender, eles geralmente são indiferentes se os preços das commodities em geral sobem ou descem. O que importa para eles é a disparidade de preços — entre diferentes locais, diferentes qualidades ou formas de um produto e diferentes datas de entrega. Ao explorar essas diferenças de preços, eles ajudam a tornar os mercados mais eficientes, direcionando os recursos para seus maiores valores de uso em resposta aos sinais de preço. Eles são, nas palavras de um acadêmico, a manifestação visível da mão invisível de Adam Smith.

À medida que cresceram, eles também se tornaram importantes canais de financiamento para o comércio global — uma espécie de setor bancário paralelo que está disposto a pagar adiantado aos produtores de petróleo pelo seu produto, ou fornecer cobre aos fabricantes a crédito.

“O petróleo é apenas uma forma de dinheiro.”

O trading de commodities é tão antigo quanto o próprio comércio, mas a indústria de trading só começou a tomar sua forma atual nos anos após a Segunda Guerra Mundial. Essa foi a época em que as tradings se tornaram verdadeiramente globais pela primeira vez — e, essencialmente, quando o petróleo começou a se tornar uma commodity negociável. Enquanto seus antecessores operavam em nichos estreitos, a partir da década de 1950 os traders de commodities de repente se viram na crista de uma enorme onda de crescimento econômico global. À medida que os EUA alcançaram o status de superpotência, eles incentivaram o trade em todo o mundo — e os primeiros traders foram seus emissários. O comércio mundial de bens manufaturados e recursos naturais, em dólares, subiu de menos de US$60 bilhões logo após a Segunda Guerra Mundial para mais de US$17 trilhões em 2017 — um quarto dos quais era composto de commodities.

Se houver crises, ameaças ou fatores de alto risco, isso significa que há oportunidade.

No centro da história deste livro estão quatro acontecimentos que moldaram a economia global em favor dos traders de commodities. O primeiro foi a abertura de mercados que antes eram rigidamente controlados — acima de tudo, o do petróleo.

O segundo foi o colapso da União Soviética em 1991, que, de um só golpe, redesenhou uma rede global de relações econômicas e filiações políticas. Mais uma vez, os traders de commodities entraram com tudo, levando a lei do mercado para o que antes eram economias planejadas. Em meio ao caos, eles se tornaram vitais para minas e fábricas que passavam por dificuldades, até mesmo sustentando governos inteiros. Em troca, conseguiram garantir o acesso aos recursos naturais em condições extremamente vantajosas.

O terceiro foi o espetacular crescimento econômico da China na primeira década do século XXI. À medida que a economia chinesa se industrializava, criava-se uma enorme demanda por commodities. Em 1990, por exemplo, a China consumiu a mesma quantidade de cobre que a Itália; atualmente, cada tonelada de cobre do planeta vai para uma fábrica chinesa. E a transição das populações rurais da China para as cidades gerou toda uma nova demanda por importações de alimentos e combustível. O resultado foi mais um salto no comércio internacional de commodities, seguido por uma grande alta nos preços. À medida que os traders vasculhavam o mundo em busca de commodities para alimentar essa demanda insaciável, eles ajudaram a forjar novas relações econômicas entre a China e países ricos em recursos na América Latina, Ásia e África.

O quarto foi a financeirização da economia global e o crescimento do setor bancário, a partir da década de 1980. Enquanto seus predecessores precisariam ter capital suficiente para pagar por todo carregamento de metal ou de grãos que comprassem, os traders contemporâneos poderiam, subitamente, usar dinheiro emprestado e garantias bancárias, permitindo lhes negociar em quantidades muito maiores e reunir quantias muito mais elevadas de dinheiro.

O resultado direto desses quatro desenvolvimentos foi uma extraordinária expansão na riqueza e poder de um punhado de empresas e indivíduos que dominam o comércio global de commodities. O objetivo dos traders é obter uma pequena margem de lucro a partir de um grande volume de negócios. E esse volume é realmente enorme: em 2019, os quatro maiores traders de commodities faturaram US$725 bilhões — mais do que o total de exportações do Japão.

O que é ainda mais notável é que esses lucros foram compartilhados entre um grupo muito pequeno de pessoas. Os traders de commodities, com poucas exceções, permaneceram privados, dividindo seus lucros entre um punhado de sócios ou fundadores e gerando uma riqueza fantástica para esses indivíduos. A Vitol, ainda de propriedade exclusiva de seus funcionários, distribuiu mais de US$10 bilhões aos acionistas apenas na última década. A família proprietária da Cargill contém nada menos que quatorze bilionários — mais do que qualquer outra família no mundo. Louis Dreyfus, a histórica trader de grãos, pertence quase inteiramente a apenas uma pessoa. A Glencore produziu nada menos que sete bilionários quando abriu seu capital em 2011.

Esse coquetel de fortunas, somado aos recursos de importância estratégica e a uma vontade de operar onde outros temem colocar os pés, não ofereceu poucas oportunidades de trapaça entre os membros menos escrupulosos da indústria de trading de commodities. Isso foi possível graças a uma notável falta de regulamentação ou fiscalização governamental de suas atividades.

Uma das razões pelas quais as atividades dos traders de commodities escaparam da supervisão por tanto tempo é o fato de eles operarem nos cantos mais obscuros do sistema financeiro internacional. As commodities que transportam estão frequentemente em alto-mar, fora do alcance de qualquer regulador nacional; eles normalmente negociam por meio de empresas fictícias em jurisdições offshore; além disso, os traders se estabeleceram em lugares como Suíça ou Singapura, famosos por suas regulamentações brandas.

O carvão está entre os mais importantes geradores de lucros para a Glencore, que é a maior exportadora mundial da commodity. Glasenberg, que começou sua carreira no negócio de carvão e uma vez se gabou de que o mundo estava “com tesão por carvão”, ainda é um fã. Petróleo e gás continuam sendo extremamente importantes para muitos dos principais traders. E nenhum dos nossos entrevistados pareceu estar eticamente preocupado com isso: os traders simplesmente argumentam que continuarão a comercializar combustíveis fósseis enquanto o mundo continuar a consumí-los. E mesmo que eles não estejam preocupados com o próprio impacto nas mudanças climáticas, as mudanças no debate público em relação aos combustíveis fósseis representam uma ameaça aos seus negócios.

Cap. 1

Os Pioneiros

Ao aproximar-se da fronteira soviética, Theodor Weisser estremeceu de medo.

Viajar da Europa Ocidental para a União Soviética em 1954 teria sido uma jornada assustadora para qualquer um, mas para Weisser exigia uma coragem especial. Como soldado do exército alemão, ele havia sido capturado pelas forças soviéticas na Segunda Guerra Mundial e feito prisioneiro na Frente Oriental.

Naquele momento, já na casa dos 40, mas com as memórias do tempo em um campo de prisioneiros soviético ainda presentes, esta seria sua primeira viagem à Rússia como um homem livre.

Weisser estava em território pioneiro, viajando para a capital do comunismo em uma época na qual a Guerra Fria dominava o discurso público no Ocidente.

Mas Weisser não era o tipo de homem que se desencorajava facilmente. Ele partiu de Hamburgo determinado a comprar um pouco de petróleo e não iria embora sem um acordo. Ele percorreu as estradas largas e vazias de Moscou até um dos poucos hotéis onde os estrangeiros tinham permissão para ficar e aguardou que a burocracia soviética o notasse.

Evgeny Gurov, o chefe da Soyuznefteexport, a agência governamental que controlava o comércio de petróleo da União Soviética. Gurov foi um ideólogo que reconheceu antes de muitos outros o potencial do petróleo para ser utilizado como arma estratégica. Weisser, por sua vez, não era motivado pela ideologia, mas pelo lucro. Sua empresa, Mabanaft, era uma distribuidora de combustível em toda a Alemanha Ocidental. E estava perdendo dinheiro. Weisser precisava encontrar novas fontes de petróleo para vender a seus clientes, e isso significava ir até onde poucos ousariam.

Um dos principais oficiais de comércio da União Soviética sentado à mesa com um ex-prisioneiro de guerra, brindando com seu novo conhecido sob os olhares atentos da KGB.

Houve um período de negociação, mas a perseverança de Weisser acabaria sendo recompensada: a Soyuznefteexport vendeu a ele uma carga de diesel para ser revendida na Alemanha Ocidental. No entanto, o pioneirismo do trader custaria caro, pelo menos no início. No retorno à Alemanha, sua disposição para lidar com o adversário da Guerra Fria fez com que ele fosse evitado por grande parte da indústria petrolífera. As companhias de navegação que ele vinha utilizando para transportar o combustível pelo país se recusaram a seguir fazendo negócios com ele, alegando que seus outros clientes não queriam fretar navios que houvessem transportado petróleo da União Soviética.

Mas Weisser, um networker consumado dotado de um rosto largo e aberto e um sorriso cativante, sabia que havia conseguido a única coisa que importava de sua viagem a Moscou: um contato por trás da Cortina de Ferro. Seu primeiro acordo marcou o início de um relacionamento que continuaria por anos a fio, sustentando os lucros de seus negócios de trading. Em 1956, foi a vez de Gurov visitar Weisser e, em Munique, ele assinou um contrato de um ano para vender diesel à Mabanaft. Logo, a trader alemã também estaria comprando petróleo bruto dos soviéticos.

Os primeiros acordos com a União Soviética foram um triunfo pessoal para Weisser, uma prova de sua coragem, tenacidade e charme. Mas também eram um sinal de como o mundo estava mudando, e do papel cada vez mais central que traders de commodities como Weisser desempenhariam nele.

Após décadas de depressão econômica, estagnação e guerra, o mundo estava entrando em uma era de estabilidade e prosperidade econômica. Os horrores da guerra deram lugar a uma paz policiada pelo crescente poderio militar dos EUA — a Pax Americana. Enquanto as condições de vida em meados da década de 1940 eram marcadas por controles de preços e racionamento, na década de 1960 um número crescente de lares nos EUA, Europa e Japão podiam comprar televisores, geladeiras e carros. Entre 1950 e 1955, mais da metade dos lares norte-americanos compraram um televisor.

Em todos os lugares, novas rotas comerciais estavam se abrindo, à medida que o nacionalismo e o protecionismo deram lugar ao livre comércio e aos mercados globais. A economia mundial crescia no ritmo mais rápido registrado até então, impulsionando um consumo cada vez maior de recursos naturais. Este período ficou conhecido como a Idade de Ouro do Capitalismo. Weisser havia entendido que esse novo mundo trazia oportunidades sem precedentes para uma empresa cujos negócios se resumiam ao trading internacional — nunca antes um trader de commodities havia sido capaz de imaginar um quadro tão global.

E ele não estava sozinho. Em todo o mundo, uma nova geração de traders de commodities estava explorando as oportunidades criadas pela economia global em expansão. Em Nova York, Ludwig Jesselson, um jovem, brilhante e intenso trader de metais que fugiu para os EUA para escapar do antissemitismo da Alemanha nazista, teve uma visão semelhante. Ele levaria sua empresa, a Philipp Brothers, a tornar-se proeminente a ponto de enfrentar os maiores bancos de Wall Street, dando origem a uma família de empresas de tradings que ainda hoje domina os mercados globais de commodities.

Em Minnesota, John H. MacMillan Jr., um comerciante de grãos que assumiu a administração da empresa de sua família, estava determinado a mudar sua fortuna. Eventualmente essa empresa, a Cargill, se tornaria a maior corporação privada dos Estados Unidos, fazendo dos descendentes de MacMillan algumas das pessoas mais ricas do planeta.

Esses três homens foram os pais fundadores da indústria de trading de commodities atual. Enquanto seus antecessores se concentraram em nichos locais, eles próprios viram que o mundo inteiro estava se tornando um único mercado. Tudo estava à venda; compradores em potencial estavam por toda parte. Décadas antes de “globalização” se tornar uma palavra-chave para a economia, eles criaram negócios que se baseavam totalmente nessa noção, exceto pelo nome. À medida que o comércio internacional se expandia, tornando-se parte central da economia atual, suas empresas seriam seus guias, moldando-o ao mesmo tempo em que lucrava com ele — e forjando um modelo de negócios que definiria o setor de trading de commodities nas décadas que estavam por vir.

Nos vinte anos seguintes, o trading de commodities, de um pequeno negócio, seria transformado em uma das indústrias mais importantes da economia mundial. Traders como Weisser, Jesselson e MacMillan se tornariam modelos da nova ordem econômica, acumulando uma riqueza extraordinária e sendo recebidos em palácios presidenciais ao redor do mundo como os senhores dos recursos naturais da Terra.

Foi uma revolução que, em grande parte, passou despercebida pelos políticos e pelo público em geral. Somente após décadas de crescimento silencioso que o mundo entenderia o quão central os traders de commodities haviam se tornado para a economia global. Quando essa constatação veio, na década de 1970, acabou deixando as nações mais ricas do planeta de joelhos. De repente, os governantes acordariam para o fato de que os traders de commodities — um grupo que eles mal sabiam que existia — acumularam um poder sem precedentes sobre a energia, os metais e os alimentos do mundo.

A história do trading de commodities remonta aos primórdios da humanidade, quando os primeiros humanos colonizados começaram a comprar e vender pedras e metais, talvez em troca de grãos. De fato, a tendência de “comércio e escambo” — o trade — é vista por antropólogos como uma das atividades que marcaram as origens do comportamento humano atual.

Mas as primeiras empresas de trading de commodities que guardavam alguma semelhança com os traders de hoje não apareceram até o século XIX. Durante séculos, bandos de comerciantes aventureiros viajaram pelo mundo em busca de recursos valiosos para vender em seus países — o mais bem-sucedido deles, a Companhia das Índias Orientais, governou o subcontinente indiano por várias décadas.

Com a Revolução Industrial, no entanto, o comércio de recursos se transformou. A invenção do navio a vapor significou que, pela primeira vez, o comércio de mercadorias por longas distâncias não estava à mercê dos ventos. O custo do transporte de mercadorias caiu vertiginosamente e, como resultado, tornou-se viável transportar não apenas chá, especiarias e metais preciosos por longas distâncias, mas também mercadorias de menor valor, como grãos e minérios. E o telégrafo inaugurou uma era de comunicações globais quase instantâneas. Em agosto de 1858, a primeira linha telegráfica do outro lado do Atlântico foi aberta, reduzindo imediatamente o tempo necessário para se entregar uma mensagem de Londres a Nova York de quase duas semanas para apenas alguns minutos.

Com esses desenvolvimentos tecnológicos, surgiram as primeiras empresas dedicadas ao trading de commodities. Os comerciantes surgiram para comprar e vender a sucata e os resíduos que eram os restos de produção da era industrial florescente. E os traders de grãos entregavam comida para as metrópoles em crescimento, repletas de trabalhadores famintos.

Nos celeiros do mundo, empresas de trading de grãos foram criadas para transportar trigo e milho das fazendas para as cidades.

O fim da guerra abriu um novo horizonte de oportunidades para os traders de commodities. As cidades arruinadas da Europa e da Ásia precisavam ser reconstruídas, e isso exigiria aço, cimento e cobre. O comércio de recursos naturais, que havia sido rigidamente controlado pelos governos durante a guerra, começaria aos poucos a se libertar nesta nova era de paz. E o domínio dos EUA no cenário mundial anunciaria uma nova era de crescimento e mercados abertos.

Ir a todos os lugares, deixando de lado a política e, em muitos casos, a moralidade. Eles negociavam com países comunistas e capitalistas; com empresários locais vorazes ou burocratas do governo — o objetivo era obter lucro. Como declarou um dos primeiros traders da Philipp Brothers: “Uma das regras básicas da Philipp Brothers é que os negócios são supremos; assuntos políticos não são negócios.”

Na devastação deixada pela guerra, Jesselson, que na época tinha 36 anos e fervilhava de energia, viu apenas oportunidades. De Nova York, ele viajou para o Japão, Índia, Egito, Alemanha e Iugoslávia. Isso foi anos antes de as viagens aéreas comerciais através dos continentes se tornarem comuns, quando os voos eram irregulares, longos e atribulados.

Assim como Weisser havia feito com o petróleo, Jesselson foi pioneiro no comércio de metais com o mundo comunista. Uma das suas primeiras conquistas foi a Iugoslávia, para onde viajou em sua turnê mundial em 1946. A Philipp Brothers conseguiu um contrato com o monopólio estatal de metais Jugometal, para vender toda a sua produção de metais, ligando o governo socialista de Tito aos Estados Unidos capitalista. Em 1950, essa relação valia de US$15 a 20 milhões em metais por ano — mais do que todas as vendas da empresa apenas alguns anos antes.

 Os traders chegaram a fornecer para os estoques militares dos EUA o metal de seus adversários da Guerra Fria.

Para Jesselson, as implicações políticas eram irrelevantes: tudo o que importava era que se tratava de um negócio lucrativo

MacMillan mudaria isso. Como Jesselson na Philipp Brothers e Weisser na Mabanaft, ele começou a se expandir pelo mundo. Em 1953, incorporou a Tradax International, unidade que deveria servir de ponta de lança no mercado global. Em 1956, ele abriu o escritório da Tradax em Genebra como o centro de trading internacional da Cargill. A cidade foi escolhida por suas “excelentes facilidades de viagens e comunicação”, sua tradição multilíngue e seus “impostos corporativos limitados”. A abertura do escritório da Tradax marcaria o início de uma longa e lucrativa parceria entre a Suíça e os traders internacionais de commodities.

A estratégia de MacMillan levou a Cargill — bem como a Philipp Brothers e a Mabanaft — a forjar novos vínculos econômicos com o mundo comunista. Mas enquanto os outros pioneiros importavam commodities do Bloco Comunista para o Ocidente, a Cargill estava construindo conexões na direção oposta, exportando excedentes agrícolas norte-americanos para o mundo — inclusive para países do outro lado da Cortina de Ferro. Esse comércio foi incentivado por generosos subsídios do governo dos EUA, buscando apoiar agricultores cujas colheitas cada vez maiores não podiam ser absorvidas em casa. Washington financiou bilhões de dólares em exportações, ajudando a difundir a dieta estadunidense pelo mundo. E os comerciantes de grãos ajudaram a entregar essa onda de grãos dos EUA: a Cargill quadruplicou o volume de suas exportações de grãos norte americanos entre 1955 e 1965.

Inicialmente, as exportações de grãos iam para os aliados dos EUA. Mas logo a Cargill e outros traders de grãos também estavam vendendo para o Bloco Comunista. Primeiro veio a Hungria, que comprou US$10 milhões em grãos norte-americanos no final de 1963. Em seguida, a Cargill despachou seus comerciantes para Moscou para negociar um acordo maior — US$40 milhões em trigo. O novo negócio com as nações comunistas foi uma dádiva para a Cargill: em 1964, a empresa registrou seu segundo maior lucro anual de todos os tempos. O negócio russo, disseram aos acionistas, era “a centelha subjacente”.

A venda de milhões de dólares em trigo norte-americano causou alvoroço em Washington. Os trabalhadores portuários entraram em greve e se recusaram a carregar navios que levassem grãos para a União Soviética, e os sindicatos incitaram seus membros a boicotar a Cargill e outros traders de commodities. Alguns parlamentares tentaram até bloquear as vendas, sem sucesso.

Esse furor foi uma das primeiras demonstrações da natureza política do trading de commodities e do poder que os traders estavam acumulando como pioneiros do comércio internacional. Ao estabelecer novas rotas comerciais entre o Leste e o Oeste, a Cargill e os outros pioneiros estavam conduzindo uma reaproximação comercial entre os EUA e a União Soviética, para a qual os políticos não estavam preparados. Dentro de alguns anos, no entanto, os acordos com Moscou em 1963–64 pareceriam um ensaio para uma série de acordos muito maior — e muito mais explosiva politicamente.

Weisser fez mais do que apenas abrir caminho para uma nova rota comercial — ele ajudou a criar uma nova indústria onde antes não havia nenhuma. Quando Weisser partiu para Moscou em 1954, não havia um comércio internacional real de petróleo — apenas um punhado de grandes empresas com poder de mercado quase ilimitado. O comércio de petróleo floresceu brevemente no século XIX após a primeira descoberta de petróleo nos EUA em Titusville, Pensilvânia, em 1859. Mas o comércio secou abruptamente quando John Rockefeller comprou o controle de quase toda a capacidade de refino dos EUA para a sua Standard Oil Trust. Com apenas um comprador na cidade, não havia concorrência e, consequentemente, não havia mercado. O preço do petróleo era decidido por Rockefeller.

O governo dos EUA dissolveu a Standard Oil em 1911, mas o mercado de petróleo continuou a ser dominado por um oligopólio de grandes empresas que foram integradas verticalmente para incluir poços de petróleo, refinarias e pontos de venda. Na década de 1950, o mercado de petróleo era controlado por sete grandes empresas, que passaram a ser conhecidas como as “Sete Irmãs” — as precursoras das empresas que hoje são ExxonMobil, Royal Dutch Shell, Chevron e BP. Muitas delas eram descendentes da Standard Oil, criadas na sequência de seu desmembramento. O petróleo bruto era comprado a “preços afixados” estabelecidos pelas refinarias em cada região, uma prática iniciada por Rockefeller. O comércio internacional fora do oligopólio dessas grandes empresas era praticamente inexistente.

Nos primórdios do mercado internacional de petróleo, as Sete Irmãs evitavam negociar com traders independentes como Weisser, pois desconfiavam de qualquer ameaça ao seu poder de mercado. Tentar quebrar esse controle do mercado de petróleo exigia criatividade e um espírito aventureiro — e Weisser era perfeitamente adequado para a tarefa. Conhecido por seus amigos como Theo, ele era um aventureiro nato com gosto por viagens exóticas, alguém que não se preocupava com os desconfortos de viajar a negócios por semanas ou meses até partes desconhecidas do mundo.

Ele voava na primeira classe, reservando uma fileira completa de assentos para poder levar consigo várias malas grandes cheias de papéis que carregava consigo para todos os lugares. De Tânger e Casablanca, ele viajou para Dakar, depois Elizabethville e Leopoldville (atualmente Lubumbashi e Kinshasa), no Congo Belga. Por onde ele passava, negociava contratos para que a Mabanaft abastecesse o continente africano com combustível.

Quando ele fechou seus acordos com Moscou, tornou-se o primeiro trader independente a contornar o clube das grandes petrolíferas e negociar petróleo bruto fora da sua rede de controle. Elas o puniram por sua insolência, recusando-se a fazer negócios com ele imediatamente após o seu retorno da União Soviética. E elas tinham boas razões para se preocupar: os negócios de Weisser não apenas marcaram o início da ascensão dos traders internacionais de petróleo, mas também o início de um grande aumento nas exportações soviéticas de petróleo.

Em 1954, quando o chefe da Mabanaft viajou pela primeira vez para Moscou, a produção de petróleo soviética era relativamente pequena e quase inteiramente consumida dentro do Bloco Comunista. Estava fora do controle das Sete Irmãs, mas não interferia em seus impérios.

No entanto, a rota de exportação que Weisser ajudou a abrir logo assumiria uma importância enorme para o mercado global de petróleo. Até a década de 1950, o petróleo da União Soviética vinha em grande parte de Baku, no Mar Cáspio, cujas riquezas eram exploradas desde o século XIX. Mas agora os geólogos haviam começado a desenvolver novos depósitos na bacia do Volga-Urais, e a produção de petróleo soviética dobrou entre 1955 e 1960. A União Soviética desbancou a Venezuela como o segundo maior produtor de petróleo do mundo, ficando atrás apenas dos EUA.

As exportações soviéticas de petróleo bruto e derivados de petróleo refinado para o assim chamado Mundo Livre aumentaram de meros 116 mil barris por dia em 1955 para cerca de 1 milhão de barris por dia em 1965. A campanha de exportação de petróleo tornou-se a manifestação mais evidente do que os diplomatas ocidentais começaram a chamar de “Ofensiva Econômica Soviética”.

Com pouco alarde, os traders de commodities estavam ajudando a mudar a ordem econômica mundial. Eles estavam forjando laços comerciais entre os mercados ocidentais e os fornecedores que anteriormente haviam sido interditados atrás da Cortina de Ferro e, ao fazer isso, estavam ajudando a dissolver os oligopólios que controlavam muitos mercados. Dentro de alguns anos, as repercussões seriam sentidas em todo o mundo.

Weisser, Jesselson e MacMillan não foram importantes apenas por causa de seu impacto econômico, no entanto. Eles também criaram um modelo de negócios de trading de commodities que se mantém até hoje.

Enquanto anteriormente os traders se concentravam em locais ou mercados específicos, a Mabanaft, a Philipp Brothers e a Cargill buscavam o domínio global das commodities que comercializavam. Antes da Segunda Guerra Mundial, as traders de metal, como a própria Philipp Brothers, se concentravam em negócios nos quais pudessem comprar um pacote de metal já tendo fechado anteriormente um acordo para vendê-lo. Um ferro velho poderia ligar para a empresa e se oferecer para vender algumas centenas de toneladas de sucata. Em seguida, enviaria um telegrama para outros revendedores e, se alguém estivesse disposto a comprá-las por um preço que desse lucro à Philipp Brothers, a empresa fecharia quase simultaneamente acordos para comprar e vender o metal. Outro tipo de negócios envolvia a venda em nome de um produtor por uma taxa fixa a cada tonelada. Tratava-se de um negócio seguro e previsível, mas com pouco potencial para lucros descomunais.

Sob Jesselson, a Philipp Brothers tornou-se mais ambiciosa, passando a fazer negócios em maior escala e em longo prazo. Ela começou a negociar acordos de longo prazo para comprar dos produtores, muitas vezes em troca de empréstimos. A empresa tinha uma rede global de acordos de fornecimento — uma “carteira de negociação” — que poderia ser extremamente lucrativa quando os deslocamentos do mercado fizessem com que os preços subissem ou caíssem acentuadamente. “Sempre tenha algo para vender”, explica Ernst Frank, especialista da empresa em cobre, chumbo e zinco.

“Esteja sempre no ramo, porque às vezes uma escassez real pode vir a ocorrer e, se alguém tiver material
para vender nesse momento, poderá ganhar um bom dinheiro.”

Negociar em uma escala maior exigia contratos maiores e de longo prazo — e isso demandava um grande catálogo de endereços de fornecedores e consumidores de commodities. Os pioneiros cultivavam relacionamentos incessantemente, gastando quantidades enormes de tempo e dinheiro para atrair contatos comerciais essenciais. Esse foco na conexão pessoal tornou se uma obsessão na indústria, dando um certo charme do velho mundo a algumas trading houses, que por sua vez o mantiveram mesmo depois que os e-mails e videoconferências superaram a reunião presencial como a principal forma de comunicação empresarial.

O networking era especialmente importante no campo emergente do trading de petróleo, estando muitas vezes nas mãos de alguns funcionários do governo decidir como vender grandes quantidades de recursos petrolíferos de seu país. E Weisser era um homem de relações nato, que podia fazer amizade com qualquer um. Todos os anos, ele dava uma festa luxuosa para todos os seus contatos de petróleo no St. Moritz Hotel, localizado no Central Park, em Nova York, sempre repleta de champanhe circulando livremente e um banquete de iguarias de todos os cantos do globo. Ele já havia construído uma relação com Gurov na Soyuznefteexport, mas dificilmente se restringia ao mundo comunista. Em Pittsburgh, ele cativou os executivos durões da Gulf Oil. No Texas, conseguiu um contrato com a Hunt Oil, que pertencia à rica família Hunt. No Oriente Médio, ele se relacionava pelo primeiro nome com todos os sheiks e autoridades mais poderosos do petróleo, incluindo o sheik Ahmed Zaki Yamani, o ministro do Petróleo saudita, a quem ele considerava amigo pessoal.

Os traders mais experientes usaram essas redes globais de contatos para obter insights incomparáveis sobre o estado da economia mundial. Eles investiram não apenas em traders para trabalhar em seus escritórios ao redor do mundo, mas também em sistemas de comunicação para garantir que as informações pudessem ser compartilhadas rapidamente em suas empresas. Dezenas de funcionários passavam seus dias vasculhando mensagens de telex para extrair as informações mais importantes. “Nosso sistema de comunicação é provavelmente o mais sofisticado do mundo, com a possível exceção do Departamento de Defesa ou da Agência Central de Inteligência (CIA)”, vangloriou-se um executivo da Philipp Brothers em 1981. Com essa sofisticada rede de inteligência de mercado, veio uma cultura de sigilo, já que os traders procuravam proteger seus insights.

E as redes de inteligência dos traders eram extremamente valiosas, permitindo que eles fizessem apostas mais bem informadas no mercado do que seus concorrentes. Durante a Crise de Suez em 1956, quando tropas israelenses, francesas e britânicas invadiram o Egito, os comerciantes da Cargill em Genebra apostaram que os custos de envio aumentariam. Então a crise fechou o Canal de Suez, forçando os navios a fazer a longa rota ao redor da África, e as taxas de frete dispararam. A capacidade da Cargill de combinar visão política e de mercado compensou. Foi uma destilação perfeita da estratégia dos traders pioneiros: construir o maior portfólio de contratos possível, aproveitar sua rede de contatos para obter informações — e depois explorar essas informações para negociar lucrativamente.

Embora as primeiras trading houses tivessem origens e estilos diferentes, elas compartilhavam de uma ênfase no trabalho duro, na lealdade e na parceria.

Os funcionários juniores eram submetidos a treinamentos exaustivos. Na Philipp Brothers, todo jovem começava a carreira fazendo os trabalhos mais subalternos da empresa, alternando entre diferentes departamentos até que seus chefes estivessem convencidos de que ele entendia o básico sobre o negócio e havia provado sua lealdade à empresa. Mendel Bernberg, que foi contratado por Julius Philipp como lehrling — ou aprendiz — em 1919, aos quinze anos, lembrou que um dia normal começava às 8h, abrindo e separando a correspondência, e terminava às 22h, após a preparação da correspondência e dos cabos a serem enviados pelos correios.

Em 1956, a empresa distribuiu ações para cerca de quarenta funcionários, criando vários milionários ao fazê-lo. Essa estrutura de parceria, com dezenas de acionistas e nenhuma voz dominante, tornou-se um modelo para as trading houses que vieram depois. Isso uniu os principais traders da empresa e criou um incentivo maior para eles dedicarem suas energias a ela. “Nós lidamos com nosso pessoal como uma família”, disse Jesselson em 1981. “Nós sempre trabalhamos em equipe. Ninguém força a própria vontade. Este sempre foi o ponto forte da organização.”

Mas mesmo que os traders de commodities tenham crescido em escala e lucratividade, o mundo deu pouca atenção ao seu poder cada vez maior. Afinal, a oferta de commodities era abundante há anos e os preços estavam baixos. Poucos notaram que um punhado de traders havia assumido um papel de enorme importância no fluxo de recursos naturais ao redor do mundo, fluxo este que estava se tornando cada vez mais central para a prosperidade global. Eles logo seriam arrancados de sua complacência quando, um por um, os preços das commodities mais importantes do mundo disparassem na década de 1970. E o primeiro choque veio no mercado da mais básica das commodities: os grãos.

No verão de 1972, a Cargill estava em alta. Sob a liderança de Erwin Kelm, discípulo de John H. MacMillan Jr., ela se transformou em um negócio com US$5 bilhões em vendas, reivindicando o título de maior trader agrícola do mundo. Além disso, ela resistiu impecavelmente às críticas dirigidas aos seus vínculos para além da Cortina de Ferro. Não foram anos fáceis — a empresa foi enganada pelo mercado e mal cobria seus custos no final da década de 1960. Mas Kelm, um firme defensor da expansão global da Cargill, conduziu a empresa durante a crise com seu apetite inabalável pelos negócios internacionais.

Assim, quando Nikolai Belousov — o chefe da Exportkhleb, a agência governamental soviética responsável pelo comércio de grãos — chegou a Nova York no verão de 1972, a Cargill não precisou pensar duas vezes sobre trabalhar com ele. Em uma reunião no Hilton com Walter ‘Barney’ Saunders, chefe do trading de grãos da Cargill, Belousov negociou um acordo para comprar 2 milhões de toneladas de grãos dos EUA ao longo do ano seguinte. Na época, parecia um bom negócio em todos os sentidos.

Mas a Cargill teve um choque. Belousov — um homem grisalho, alto e esbelto, que falava um inglês impecável, quase sem sotaque — pode ter nascido e sido educado no sistema comunista, mas quando se tratava de trading, ele era tão afiado quanto seus rivais norte-americanos. Quando chegou a Nova York, ele ligou não apenas para a Cargill, mas também para todas as suas rivais.

Todas as trading houses entraram em ação. Executivos de concorrentes da Cargill voaram imediatamente para Nova York de lugares tão distantes quanto Paris e Buenos Aires. Muitos se lembraram das vendas de 1963 1964, quando a União Soviética comprou US$40 milhões em grãos da Cargill. Dessa vez, no entanto, Moscou pretendia muito mais: um burocrata soviético sem graça estava prestes a fechar o maior negócio da história do trading agrícola.

Belousov negociou individualmente com todos os maiores traders de grãos. Antes de se encontrar com a Cargill, ele se encontrou com Michel Fribourg, presidente e proprietário da Continental Grain Company, e fechou um acordo para comprar US$460 milhões em trigo norte-americano e outros alimentos básicos — um dos maiores negócios de commodities já realizados até então. Depois, reuniu-se com Louis Dreyfus, Bunge, Cook Industries e André & Cie. Belousov comprou de todo mundo. Cada trading house achava que era a única que estava fazendo um ótimo negócio com os russos, em grande parte sem saber quanto os outros haviam vendido.

Quando ficou claro o quanto Belousov havia comprado, os traders perceberam que não haveria grãos norte-americanos o suficiente para todos. No total, Belousov — impulsionado pelo risco de fome em massa, após o fracasso das colheitas soviéticas — comprou quase 20 milhões de toneladas de grãos e oleaginosas dos traders. O tamanho das compras de trigo foi extraordinário: 11,8 milhões de toneladas — o equivalente a quase 30% da colheita de trigo dos EUA. Quando o mercado despertou para essa venda, ficou claro que os EUA não teriam grãos suficientes para atender à combinação entre o próprio consumo doméstico, a demanda de importadores tradicionais e as compras extras da União Soviética.

Os preços do trigo, milho e soja dispararam, provocando um surto de inflação de alimentos que há uma geração os norte-americanos não experimentavam. Em 3 de julho, pouco antes de os russos começarem a conversar com a Continental, os preços do trigo para moagem no Kansas giravam em torno de US$1,44 o alqueire; em dez semanas, o preço havia subido em 60%. E o pior estava por vir: no ano seguinte ao acordo soviético, os preços do trigo triplicaram. Os preços do milho e da soja também subiram. E com os preços dos grãos subindo, o preço da carne também disparou. A população ficou indignada. O episódio ficou conhecido como Great Grain Robbery (“Grande Roubo de Grãos”).

A Cargill reagiu à indignação tentando demonstrar que não havia lucrado com a fome dos cidadãos norte-americanos. Pela primeira vez em seus 107 anos de história, a empresa tornou públicas as informações sobre seus negócios. Ela até mesmo comissionou seus auditores para compilar um relatório demonstrando que havia perdido dinheiro nas vendas soviéticas. Era verdade: Belousov foi mais esperto do que os traders de grãos ocidentais. Aquele sigilo, tão amado pela indústria, acabou saindo pela culatra. Todas as empresas haviam mantido seus contratos em segredo e, portanto, todas sofreram quando perceberam que não eram as únicas com um acordo. Todos os traders haviam vendido grãos que ainda não possuíam, esperando comprá-los mais tarde no mercado aberto. Então, quando todos tentaram comprar ao mesmo tempo, os preços dispararam. A Cargill disse ao Congresso que havia perdido US$661 mil com o contrato soviético.

Mas essas perdas mascararam o que foi, na realidade, um período áureo. O que a Cargill não contou ao Congresso foi que ganhou milhões com apostas especulativas no mercado. A empresa registrou um lucro líquido de US$107,8 milhões no seu ano fiscal de 1972–73, quase 170% a mais do que o ano anterior. “Foi um ano de lucros recordes, vendas recordes em dólar, tonelagem recorde, margens recordes, problemas recordes, despesas recordes, engarrafamentos recordes, preços e controles recordes, pílulas de aspirina recordes e muitos recordes de desempenhos por um número recorde de pessoas”, disse um executivo da Cargill.

Percebendo que as compras soviéticas causariam escassez de trigo, os traders fizeram enormes apostas de que os preços iriam subir. Segundo a própria Tradax:
“Conseguimos um preço fixo muito maior e uma posição mais privilegiada do que nunca”. Suas apostas, é claro, funcionaram: a Tradax registrou um lucro de US$60,17 milhões em 1972, maior do que os ganhos de titãs norte-americanas como a Boeing ou a Colgate-Palmolive naquele mesmo ano.

A venda de cerca de US$1 bilhão em grãos para o maior rival geopolítico dos Estados Unidos, bem debaixo do nariz do governo dos EUA, foi uma demonstração do poder que se acumulou nas mãos dos traders de commodities. Como os EUA se tornaram o principal fornecedor de grãos do mundo na década após a Segunda Guerra Mundial, as empresas de trading estavam na vanguarda de uma onda de exportações dos EUA, atuando como embaixadores dos grãos norte-americanos em todo o mundo. Ao contrário dos embaixadores reais, porém, os traders não eram funcionários do governo dos EUA — não só o governo tinha pouca capacidade de regulá-los, mas estava quase totalmente no escuro a respeito das vendas até depois de estas serem realizadas. E graças a generosos créditos de exportação, as compras soviéticas feitas a preços baixíssimos foram financiadas em cerca de US$300 milhões pelos contribuintes norte americanos. A reação da população foi instantânea e  condenatória: “O ACORDO SOVIÉTICO DE GRÃOS É UM GOLPE”, bradava uma manchete na primeira página do New York Times em setembro de 1972.

Os negócios de Belousov nos hotéis de Nova York ajudaram o mundo a acordar para o poder acumulado nas mãos dos traders de commodities. Após duas décadas de crescimento global, o mundo consumia mais recursos naturais do que nunca, e estava mais dependente do que nunca do comércio internacional desses recursos. E isso significava que o mundo dependia mais do que nunca de apenas alguns homens, os pioneiros do trading, que construíram sua indústria em torno desse fluxo de commodities: Weisser, Jesselson, MacMillan e seus herdeiros.

Mas a investida-surpresa da União Soviética nos depósitos de grãos dos Estados Unidos foi apenas um prelúdio para o que estava por vir. Em breve, o mesmo tipo de caos que o mercado de grãos acabara de experienciar atingiria a commodity mais crítica de todas para a economia do século XX, o recurso que Theodor Weisser havia tirado da União Soviética duas décadas antes: petróleo.

Cap. 2

O Poderoso Chefão do Petróleo

Em 25 de abril de 1968, o “Resumo Diário do Presidente” chegou à mesa de Lyndon B. Johnson, diretamente da Agência Central de Inteligência. O documento ultrassecreto era um resumo sucinto das notícias do mundo — a versão da CIA do Reader’s Digest.
Na ocasião, após atualizações sobre a guerra no Vietnã, a União Soviética e o desenvolvimento de mísseis balísticos na China, o olhar do presidente se voltou para um item referente à geopolítica do petróleo que os espiões norte-americanos consideravam digno de sua atenção.

“Israel está prestes a começar a trabalhar em um oleoduto de 42 polegadas que contornará o Canal de Suez”, começava o relatório. Este incluía um mapa, mostrando a rota do oleoduto desde Eilat, um porto israelense no Mar Vermelho, seguindo para o norte através do país até a costa mediterrânea em Ashkelon. A construção do oleoduto apontava para uma aliança forjada em petróleo e aço entre Israel e um país que se tornaria seu maior inimigo, segundo a conclusão da CIA: “O Irã é a única fonte provável de quantidades substanciais de petróleo para o oleoduto.”

Para o governo norte-americano, essa era uma preocupação crescente. No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, um mundo mais rico exigia quantidades muito maiores de petróleo. Entre 1948 e 1972, o consumo triplicou nos EUA — um aumento sem precedentes, exceto quando comparado com o que estava acontecendo em outros lugares. A demanda por petróleo na Europa Ocidental no mesmo período aumentou
quinze vezes; no Japão, mais de cem vezes.

 Ao mesmo tempo, o controle das Sete Irmãs no mercado parecia cada vez mais instável. A cadeia de eventos que começou com a viagem de Weisser à União Soviética em 1954 tornou mais fácil para os países ricos em petróleo venderem seu produto fora da rede das grandes empresas ocidentais. O mercado começou a se abrir, com Moscou vendendo seu petróleo muito abaixo dos “preços fixados” estabelecidos pelas Sete Irmãs.

A erosão do poder do oligopólio corporativo ocidental atingiu uma conjuntura chave em agosto de 1960. Com o petróleo soviético minando seu domínio de mercado, os executivos da Standard Oil de Nova Jersey (precursora da ExxonMobil) se encarregaram de cortar o preço fixado no Oriente Médio em 7% — sem consultar os governos dos países que o produziam. Os sheiks ficaram furiosos. Ressentidos com a perda de renda e revoltados por não terem sido consultados sobre o corte de preços, os países produtores de petróleo começaram a se colocar em ação. Um mês depois, os ministros do Petróleo da Arábia Saudita, Venezuela, Irã, Iraque e Kuwait se
reuniram em Bagdá. Após quatro dias de deliberações, eles anunciaram, em 14 de setembro de 1960, o nascimento da Organização dos Países Exportadores de Petróleo — ou OPEP.

Foi o primeiro passo para uma transformação da indústria de energia que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970. Cada vez mais assertivos sob os auspícios da OPEP, os países começaram a nacionalizar seus recursos petrolíferos e, onde as empresas estrangeiras foram autorizadas a permanecer, passaram a exigir a entrega de mais lucros e impostos aos anfitriões.

A mudança marcou o início de uma era em que a OPEP viraria o mercado de petróleo e a economia mundial de cabeça para baixo, acabando com o domínio das Sete Irmãs para sempre e entregando um poder enorme aos traders de commodities. À medida que os países produtores de petróleo nacionalizaram suas indústrias petrolíferas, os traders tornaram-se canais essenciais para mover o petróleo bruto para o mercado internacional. Cada vez mais seriam os traders, e não as grandes companhias petrolíferas, que determinariam quem poderia comprar ou vender petróleo, dando força aos novos petro-Estados do Oriente Médio, da África e da América Latina.

Como resultado, os traders se tornaram os pioneiros de uma mudança que estava acontecendo em todo o mundo: de uma economia cuidadosamente controlada sob a administração de um oligopólio em grande parte norte americano para um vale-tudo em que o mercado era Deus. Ao longo da década seguinte, o preço do petróleo flutuaria descontroladamente, redesenhando os contornos da economia global em meio a convulsões políticas em todos os lugares, dos EUA ao Irã. E houve um trader que, mais do que qualquer um, viu as possibilidades dessa nova era e agarrou-as com todas as forças. Seu nome era Marc Rich.

O Irã tinha petróleo para vender e Israel era um comprador, mas ambos os países queriam uma maneira de levar petróleo do Golfo Pérsico para o Mediterrâneo sem ter que passar pelo Canal de Suez.

Eles vinham trabalhando no oleoduto em segredo há vários anos, mas tinham feito progressos limitados. Tudo mudou em 1967, quando, em meio a tensões crescentes, Israel lançou um ataque-surpresa ao Egito e à Síria. O presidente egípcio Gamal Abdel Nasser respondeu a isso fechando o Canal de Suez. A guerra acabou em seis dias, mas o canal não seria reaberto até 1975. O fechamento foi tão repentino que quinze embarcações ficaram presas dentro do canal, impossibilitadas de sair por oito anos.

O fechamento do Canal de Suez teve um grande impacto no comércio global. A hidrovia era na época, e continua sendo hoje, uma rota de transporte crucial para o mercado de petróleo — a mais direta para entregar petróleo para a Europa e os EUA a partir dos enormes campos do Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Quando Nasser o fechou, o petróleo do Oriente Médio foi forçado a percorrer todo o chifre da África, atrasando as entregas e trazendo custos significativos às operações.

Irã e Israel responderam acelerando seus planos para o oleoduto, que abrangeria os 254 quilômetros entre o Mar Vermelho de Israel e as costas do Mediterrâneo, contornando o canal. Representantes dos dois países se reuniram em segredo para discutir os detalhes. Após a intervenção pessoal do Xá, os dois países concordaram em criar uma entidade de propriedade conjunta, a Trans-Asiatic Company, com sede na Suíça, para construir e administrar o novo oleoduto. Os iranianos usaram uma empresa fantasma em Liechtenstein para esconder sua propriedade de metade da empresa, enquanto os israelenses usaram uma entidade panamenha. Ainda hoje, o jornal israelense Haaretz a descreve como “a empresa mais secreta de Israel”

Os iranianos e os israelenses precisavam de ajuda para manter o curso de sua nova rota comercial — e a quem seria melhor recorrer do que a nova geração de traders que, equipados com pouco mais do que um telefone e uma inteligência afiada, poderiam comprar e vender petróleo em qualquer lugar do mundo? Era a oportunidade perfeita para um trader ambicioso e agressivo como Marc Rich.

O homem que se tornaria o chefão do mercado de petróleo nasceu como Marcell David Reich, em uma família judia em Antuérpia, na Bélgica, em 1934. Seu pai, que ganhava a vida negociando tecidos e sapatos, cresceu na Alemanha; em razão disso, o jovem Marcell cresceu falando alemão e francês.

Seus anos iniciais, como foi o caso de muitos traders da Philipp Brothers na época, foram moldados pela ascensão do nazismo na Europa. Em maio de 1940, seu pai colocou a família em um Citroën preto comprado especialmente para esse fim e levou todos para a França — apenas uma semana antes de o exército alemão marchar para Antuérpia. Da França, eles conseguiram embarcar em um navio para o Marrocos, onde passaram vários meses em um campo de refugiados. Por fim, eles conseguiram vistos para os EUA e, em 1941, com seis anos de idade e sem falar uma única palavra em inglês, Marcell Reich chegou aos Estados Unidos.

A família morou primeiro com uma tia em Nova York; depois, se mudaram para a Filadélfia, e por fim para Kansas City. Como resultado, Marc Rich — nome norte-americano que adotou — praticamente frequentou uma escola diferente a cada ano. A partir desse momento, Rich teve a sensação de ser um estranho — sensação da qual nunca se desvencilhou. E foi também nesse período que ele descobriu a paixão pelos
negócios. No final da década de 1940, a família havia se mudado de volta para Nova York, e Rich passava o tempo livre ajudando nos negócios do pai, importando juta para sacos de estopa. Escrevendo no anuário do ensino médio, o adolescente Rich já sabia qual era o seu emprego dos sonhos: “negócios”.

Rich se matriculou na Universidade de Nova York, mas nunca se formou. Em vez disso, graças a um conhecido de seu pai, ele conseguiu uma posição como estagiário na Philipp Brothers. Em 1954, aos dezenove anos, começou a trabalhar no escritório da empresa na 70 Pine Street, um arranha-céu que ficava no distrito financeiro, bem perto de Wall Street. Como todos os estagiários, ele começou na sala de  correspondências.

Ele não ficaria lá por muito tempo, no entanto. Rich tinha um talento e um impulso que eram difíceis de ignorar. “Ele era um ótimo colega, um cara muito inteligente, poliglota e extremamente aplicado”, lembra Felix Posen, que trabalhou com Rich na Philipp Brothers e depois na Marc Rich + Co. Outro de seus contemporâneos lembrou que Rich sempre era um dos primeiros a chegar pela manhã,  cumprimentando sarcasticamente os outros juniores com um “boa tarde” quando estes chegavam às 8h30. Não demorou muito para que ele saísse da sala de correspondências e fosse trabalhar com um dos principais traders da empresa.

Já nessa fase inicial, ele exibia a combinação de perspicácia nos negócios e apetite para correr riscos que o tornariam extremamente bem-sucedido. Rich assumiu a responsabilidade de negociar mercúrio, uma mercadoria de nicho suficientemente sem importância para ser dada a um trader júnior. O mercúrio foi usado historicamente para extrair prata, em termômetros, e para tratar a sífilis. Na década de 1950, também estava sendo usado em baterias, principalmente para equipamentos militares. Rich se convenceu de que a demanda aumentaria rapidamente, e então começou a negociar com os produtores para garantir o fornecimento. Com Washington repleta de advertências dramáticas sobre a escassez de recursos, ele logo provou estar certo. Um programa maciço de estocagem do governo lançado em meados de 1954 exigia compras de uma quantidade de mercúrio equivalente a quase um terço da produção global. De repente, o mercúrio de Marc Rich estava em alta demanda.

A partir de então, Rich foi uma estrela em ascensão na Philipp Brothers, sendo enviado ao redor do mundo para garantir negócios ou solucionar problemas. Ele passou seis meses na Bolívia; voou para Cuba na esteira da revolução para negociar com o novo governo de Fidel Castro; teve passagens pela África do Sul, Índia e Holanda. Em 1964, aos trinta anos, foi nomeado gerente do escritório em Madri, consolidando-o como um dos líderes da próxima geração da empresa.

Rich podia usar o seu charme quando necessário, mas tinha poucos amigos íntimos. Um executivo de mineração que jantou com ele lembra que ele era uma pessoa agradável, porém fria. E ainda que inspirasse uma lealdade enorme em muitos dos funcionários, ninguém duvidava de quais eram as suas prioridades.

 “Seus negócios e hobbies eram a mesma coisa.”

Essa obstinação se estendeu a seus relacionamentos pessoais. Mesmo quando ele estava sendo caloroso e generoso, era difícil evitar a sensação de que ele estava tentando obter alguma informação ou vantagem da outra pessoa. Roque Benavides, cuja família é dona de uma mineradora no Peru, lembra-se de jantar na casa de Rich: “Ele foi um excelente anfitrião.” O vinho corria à vontade, e Benavides voltou ao hotel “completamente bêbado”. Mas Rich também conseguiu o que queria do encontro: um contrato de dez anos para comprar das minas de Benavides.

A chave do seu sucesso inicial foi o oleoduto Eilat-Ashkelon. O comércio através do oleoduto estava envolto em sigilo. Na parte iraniana, os petroleiros carregavam petróleo do Irã no Golfo Pérsico e a tripulação dizia às autoridades portuárias que estavam indo a “Gibraltar, para encomendas”. Mas os navios nunca apareceriam em Gibraltar. Em vez disso, navegariam em segredo para Eilat, descarregariam seu petróleo e reapareceriam vazios no Irã. Qualquer um que estivesse observando poderia apenas supor onde eles poderiam ter descarregado. O Sunday Times, que publicou um relato do comércio em 1970, chamou-o de “mistério dos petroleiros desaparecidos”. A parte israelense do negócio era igualmente sigilosa. O governo israelense impôs um blecaute completo na divulgação de informações referentes a qualquer navio que pegasse petróleo em seus portos para abastecer clientes europeus, basicamente mantendo todo o fluxo nas sombras.

Enquanto Green trazia os contatos iranianos — e um domínio de navegação que lhe rendeu o apelido de “O Almirante” —, Rich tinha a vantagem necessária para encontrar uma maneira de colocar os barris no mercado. “O oleoduto estava lá. Eu decidi que era convidativo”, disse ele. “As pessoas estavam relutantes em usar o oleoduto porque o petróleo havia passado por Israel.”

Mas Rich não hesitou. Ele e Green exploraram o oleoduto com entusiasmo, utilizando-o para vender petróleo iraniano por toda a Europa. Com a Philipp Brothers posicionada entre eles e um oleoduto politicamente sensível, os compradores de petróleo não podiam recusar a chance de uma barganha. “Havia uma grande vantagem de preço”, disse Rich. “O transporte de petróleo iraniano pelo oleoduto era muito mais barato do que percorrer todo o caminho ao redor da África.”

O “proprietário”, como o Xá era chamado pelos israelenses, ficou muito satisfeito: os 254 quilômetros de oleoduto economizaram cerca de 22 mil quilômetros circunavegando a África, tornando o petróleo iraniano muito mais competitivo em termos de custos do que qualquer um de seus rivais no Mediterrâneo.

O petróleo começou a fluir em dezembro de 1969 e, no ano seguinte, 162 petroleiros descarregaram no oleoduto cerca de 75 milhões de barris (em torno de 200 mil barris por dia).

Dentro da Philipp Brothers, no entanto, o oleoduto israelense era visto como um risco. Rich foi criticado pelos chefes da empresa por não assegurar o petróleo enviado pelo oleoduto, a ponto de temer ser demitido. Mas a repreensão não o freou. Ao longo dos anos, primeiramente para a Philipp Brothers e depois para a sua própria empresa, ele embarcou entre 60 e 75 milhões de barris de petróleo iraniano por ano através do oleoduto Eilat-Ashkelon. Era, em suas palavras, um “negócio muito, muito importante”.

Rich não poderia ter começado no trading de petróleo em um momento melhor.

De 1960 a 1970, apesar do crescente desafio colocado pelos traders independentes de petróleo, as Sete Irmãs mantiveram, em grande parte, o controle do mercado: os preços do petróleo quase não mudaram. O Arab Light, referência para o petróleo no Oriente Médio, começou a década de 1960 a US$1,90 por barril e terminou a década em US$1,76 — um declínio provocado pelo aumento das exportações soviéticas conduzidas ao mercado por Weisser e outros. Mas no início da década de 1970, a tendência se inverteu e os preços do petróleo estavam em alta. Uma crise estava se formando no mercado de petróleo. Seus elementos estavam lá, visíveis para qualquer um, embora poucos prestassem muita atenção.

Em 1971, o presidente dos EUA, Richard Nixon, abandonou o padrão ouro, que até então sustentava o valor do dólar norte-americano. Seus motivos tinham pouco a ver com petróleo e mais a ver com a tentativa de apoiar a economia dos EUA. Mas o impacto no mercado de petróleo foi significativo. À medida que a moeda norte-americana perdeu valor, os lucros dos países do Oriente Médio, que vendiam petróleo em dólares, também foram desvalorizados. Dentro das nações da OPEP, isso provocou novos pedidos para que os governos assumissem, no Ocidente, o controle dos recursos naturais de suas empresas. Da Argélia ao Iraque, os produtores exigiam uma parcela maior dos lucros das indústrias petrolíferas — até então controladas em grande parte pelas Sete Irmãs. Em breve suas demandas se tornariam tão estridentes que equivaleriam a uma nacionalização total. A Arábia Saudita, que há muito resistia à tendência, começou a reivindicar uma participação nos vastos reservatórios de petróleo controlados por empresas norte-americanas por meio da Aramco. País por país, o domínio das Sete Irmãs no mercado global de petróleo estava sendo rompido.

As empresas tinham pouca escolha a não ser aumentar os preços. Em 1971, o barril de Arab Light custava US$2,24; em 1972, US$2,48; e em 1973, US$3,29. E o pior ainda estava por vir. Rich tenha lido o artigo ou não, ele também estava convencido de que os preços do petróleo logo disparariam.

Na primavera de 1973, a National Iranian Oil Company se ofereceu para vender 1 milhão de toneladas de petróleo a Rich e Green (cerca de 7,5 milhões de barris). Era um contrato enorme, mas havia um problema: em vez do preço oficial vigente de US$3,29 por barril, Teerã queria vender o petróleo a US$5 por barril. Convencido de que os preços do petróleo estavam prestes a subir ainda mais, Green, que estava em Teerã liderando as negociações, aceitou o acordo. Foi uma aposta calculada. Graças a seus contatos, Rich e Green souberam que algo grande estava para acontecer no mercado de petróleo. Eles não tinham certeza do que era, mas aceitaram o acordo do mesmo jeito.

O acordo com o Irã foi a gota d’água para Jesselson. O contrato foi de US$37,5 milhões. Se os preços não subissem como eles esperavam e eles fossem forçados a vender o petróleo ao preço oficial, Rich e Green sofreriam uma perda de quase US$13 milhões — uma fortuna para a Philipp Brothers na época. Em meados de 1973, ficou claro que US$3,29 por barril, o preço oficial, já não era mais o preço real. O petróleo já estava sendo comprado e vendido por mais de US$5 o barril.

Em setembro de 1973, as companhias petrolíferas internacionais e a OPEP se reuniram em Viena para conversações. Para muitos, parecia óbvio ser uma questão de quando, e não se, o mundo veria preços de petróleo drasticamente mais altos. Em uma entrevista para a televisão, o primeiro ministro japonês deu o que deve ter parecido um aviso terrível: “Uma crise do petróleo daqui a dez anos é bem evidente”. No entanto, acabaram sendo apenas dez dias.

Em 6 de outubro de 1973, Israel ficou em silêncio para marcar o Yom Kippur, o dia mais sagrado do judaísmo. Ao mesmo tempo, Egito e Síria se preparavam para a guerra, na tentativa de recuperar os territórios perdidos em 1967. Naquela tarde, as forças egípcias cruzaram o Canal de Suez enquanto as tropas sírias avançavam pelas Colinas de Golã em uma ofensiva coordenada contra Israel.

Com a guerra em andamento, as negociações entre a OPEP e as companhias petrolíferas ocidentais em Viena, já em seu segundo mês, chegaram a um impasse. Os produtores queriam que os preços fossem dobrados; as petroleiras, pressionadas por seus respectivos governos, estavam dispostas a oferecer um aumento de no máximo 15%. As reuniões iam até tarde da noite, com as salas de negociação ficando nebulosas pela fumaça dos cigarros. Autoridades árabes do petróleo distribuíram recortes de jornais sobre a guerra, furiosas com o aparente apoio dos governos ocidentais a Israel. Os executivos do petróleo podiam sentir que o clima estava se voltando contra eles. Eles estavam apavorados de que as nações da OPEP pudessem utilizar o petróleo como arma.

George Piercy, da Exxon, e André Bénard, da Shell, que lideraram as conversas em nome das petrolíferas, pediram orientação à sede. As empresas repassaram a questão aos seus governos. A resposta foi quase unânime: Washington, Tóquio, Londres e várias outras capitais europeias disseram às empresas para se manterem firmes. A economia mundial, argumentavam, não seria capaz de suportar o enorme aumento de preços que a OPEP estava exigindo.

As empresas simplesmente não estavam dispostas a atender às demandas da OPEP. Yamani, um diplomata saudita com anos de experiência, preparou-se para uma longa noite de negociações. Temendo que o fracasso em chegar a um acordo trouxesse ainda mais caos ao Oriente Médio, ele advertiu os petroleiros de que sua posição era um equívoco.

Yamani suspirou e, na frente dos executivos, começou a ligar para seus colegas para dar a notícia. Ele telefonou para Bagdá, falando agitadamente em árabe antes de dizer aos petroleiros: “Eles estão furiosos com vocês.”

Por fim, o grupo se separou. Ao saírem da suíte de Yamani, um dos executivos perguntou o que aconteceria a seguir. “Escute o rádio”, respondeu o ministro do Petróleo saudita.

As reportagens de rádio do Kuwait, onde os ministros do petróleo se reuniram alguns dias depois, logo fizeram a aposta de Rich e Green na alta dos preços do petróleo parecer premonitória. Em 16 de outubro, eles anunciaram um aumento unilateral de 70%. Yamani estava eufórico. “Este é um momento pelo qual venho esperando há muito tempo”, disse ele. “E o momento chegou. Somos donos de nossa própria commodity”.

No dia seguinte, 17 de outubro, houve outra reunião da OPEP, dessa vez apenas entre os países árabes. Com a guerra em andamento, alguns ministros estavam pressionando por um bloqueio econômico total a Israel e seus aliados, incluindo os Estados Unidos. Quando a reunião terminou, os países árabes anunciaram que cortariam a produção em 5% ao mês “até que as demandas políticas árabes em Israel sejam atendidas”, e lançaram um embargo aos EUA e a outros países que consideravam amigos de Israel. A velha era de preços estáveis e monótonos do petróleo havia acabado. A partir dali, o preço da commodity mais importante do mundo ficaria à mercê das políticas do Oriente Médio.

Os preços do petróleo dispararam para US$11,58 o barril, mais que o dobro do preço pelo qual Rich havia concordado em comprar do Irã alguns meses antes. A Ashland Oil, que assumiu o contrato da Philipp Brothers, fez uma fortuna. Se Rich e Green tivessem sido autorizados a manter seu contrato, poderiam ter obtido lucros extraordinários: quase US$50 milhões em um único acordo, muito mais do que a Philipp Brothers já havia ganhado em um ano.

Rich e Green tinham entendido que o mercado de petróleo estava entrando em um período de convulsão, durante o qual os traders, e não as grandes empresas, estariam em ascensão. “O que testemunhamos é uma mudança no centro de gravidade da indústria do petróleo”, escreveu Jan Nasmyth, um dos primeiros cronistas do mercado. Os centros de poder da indústria petrolífera não eram mais as sedes das grandes companhias petrolíferas em Londres, Nova York e São Francisco, mas as cidades da Suíça a partir das quais os traders operavam.

Para a economia global e para a política mundial isso foi uma mudança radical. Ao longo de algumas décadas, o petróleo tornou-se discretamente a commodity essencial para a saúde econômica do mundo. O mercado foi estável e previsível por muitos anos. Mas agora o preço do petróleo havia se libertado, triplicando ou quadruplicando da noite para o dia e inaugurando uma era de volatilidade sem precedentes.

O boom econômico global que havia perdurado desde a Segunda Guerra Mundial foi interrompido abruptamente. Economistas começaram a falar melancolicamente sobre “estagflação” — uma combinação de recessão econômica e alta inflação que marcou uma geração inteira. O choque foi particularmente profundo nos EUA, que mais do que em qualquer outro lugar havia abraçado o culto do automóvel. De repente, os motoristas norte americanos tiveram que esperar em fila para abastecer seus carros.

A nacionalização dos campos petrolíferos do Oriente Médio abriu o sistema oligopolista que havia sido cuidadosamente construído e nutrido pelas Sete Irmãs por décadas. À medida que as nações da OPEP assumiram o controle de seus recursos petrolíferos, elas desviaram o fluxo de petrodólares dos cofres das empresas diretamente para os seus. Os países ocidentais começaram a se preocupar com sua dependência do petróleo do Oriente Médio — preocupação esta que seria um dos principais impulsionadores das suas políticas externas para o próximo meio século.

À medida que mais e mais petróleo começava a ser vendido fora do controle das Sete Irmãs, cresciam as oportunidades para traders independentes como a Mabanaft e a Philipp Brothers. E com fatias menores do mercado sob seu controle, as Sete Irmãs também perderam a capacidade de ditar preços. Em vez disso, o preço foi estabelecido em um mercado competitivo em meio a uma cacofonia de compradores e vendedores. E os reis do mercado eram os traders.

O mercado de petróleo começou a se parecer mais com o de outras commodities, como trigo, café e cobre, em que os traders há muito atuavam como intermediários, ajudando a suavizar o fluxo do comércio global. E o aumento nos preços significava que os lucros poderiam ser extraordinários. Traders de commodities antigos como a Philipp Brothers logo perceberam que poderiam fazer mais dinheiro comprando e vendendo petróleo do que em décadas de negociação de metais. Logo isso se expandiu para o comércio de grãos, café e açúcar. Os traders de commodities agrícolas, cheios de capital do “Grande Roubo de Grãos”, também começaram a procurar outros mercados. A Cargill invadiu o mercado de metais em 1972 ao comprar a C. Tennant, Sons & Co, uma trader de metais, por US$5,95 milhões. Ao longo dos anos seguintes, ela também se voltou para o aço e o petróleo. Assim surgiram as primeiras trading houses globais de commodities, capazes de negociar simultaneamente energia, metais e agricultura.

O petróleo também aproximou os traders do poder. Os governos muitas vezes consideravam metais, minerais e commodities agrícolas como recursos estrategicamente sensíveis. Mas o petróleo era diferente: o capital era maior e os governos dos países produtores de petróleo eram quase inteiramente dependentes dos petrodólares. Os traders tornaram-se amigos dos líderes ricos em petróleo no Oriente Médio, África e América Latina, enquanto os governos ocidentais, desesperados por petróleo barato, recorreram a eles para assegurar o abastecimento. Petróleo de onde? Apenas os traders, agora no centro das finanças e da política global, pareciam ter a resposta — e eles não contavam a ninguém. “Por que devemos levar as abelhas ao mel?”, perguntou um executivo da Philipp Brothers durante os picos do preço do petróleo nos anos 1970. “Digamos apenas que recebemos petróleo de todo o mundo e o distribuímos por todo o mundo.”

Mesmo Marc Rich não poderia ter previsto tudo isso em 1973. De volta à Philipp Brothers, ele e Green estavam fervilhando por algo mais imediato: a fortuna que poderiam ter feito se não fosse pela falta de coragem de seus superiores. Ainda assim, seu negócio de trading de petróleo gerou lucros abundantes: o rendimento bruto da Philipp Brothers atingiu um recorde de US$54,9 milhões em 1973, um aumento de 75% em relação ao ano anterior.

“Esses contratos de petróleo que Rich tinha na agenda, com todo tipo de vendedores, sem falar em muitos governos bastante inusitados, seriam todos eles honrados em um mercado em alta?”, lembraria Jesselson mais tarde. “A febre dos preços, a situação internacional instável, não induziria ao cancelamento de contratos? E muito do que Rich imaginou que se tornaria um lucro poderia muito bem ter se transformado em uma enorme perda.”

Rich, novamente, exigiu US$1 milhão, para ser dividido entre Green e ele mesmo. Jesselson fez uma contraproposta: que Rich voltasse para Nova York e fosse nomeado como seu sucessor no comando da Philipp Brothers. Rich, no entanto, não perdeu o foco. Ele disse a Jesselson que estava interessado, “contanto que  cheguemos a um acordo sobre a remuneração”. Mas Jesselson permaneceu impassível: ele cresceu em uma empresa que via seus traders como uma família, uma empresa na qual não havia lugar para ambições pessoais em demasia. Por uma questão de princípio, ele ofereceria a Rich e Green apenas uma parte do que eles estavam pedindo.

Rich, que já havia discutido o assunto com Green, disse ao chefe que estava se demitindo para montar a própria empresa. Jesselson, talvez em um lampejo de arrogância, ou talvez não entendendo o significado do momento, desejou-lhe boa sorte.

Seis semanas depois, em 3 de abril de 1974, Rich entrou em um escritório de advocacia em Zug para registrar sua nova empresa: Marc Rich + Co AG. Naquele dia, uma nova era do trading de commodities havia começado. Marc Rich dominaria a indústria pelos próximos vinte anos, definindo a imagem popular de um trader de commodities nas décadas de 1980 e 1990. A empresa que ele fundou também daria origem a outros dois gigantes: Glencore e Trafigura. Foi uma dinastia corporativa que começou com a Philipp Brothers e que continua a dominar os mercados de commodities hoje. De certa forma, Rich tinha sido o produto ideal da máquina  Philipp Brothers. Ele era inteligente, imaginativo, mundano, bem-apessoado e
diligente. “O segredo do sucesso neste negócio é saber identificar tendências”, disse um de seus concorrentes. “Marc Rich identifica tendências mais rápido do que qualquer um que eu conheça.”

Mas, em outros aspectos, a abordagem da Philipp Brothers era rígida e conservadora demais para ele — e ele era muito determinado, e corria riscos demais para a venerável e velha empresa e seus gerentes. Anos depois, Rich compartilhou sua filosofia de negócios com um jovem trader que trabalhava para ele. Ele pegou uma faca e equilibrou o dedo na lâmina. “Como um trader”, disse ele, “muitas vezes você andará no limite. Tenha cuidado e não caia do lado errado.”

Em abril de 1974, no entanto, sua primeira tarefa foi garantir que seu negócio não falisse antes de começar. Rich estava subitamente desprovido do histórico, das linhas de crédito, dos clientes e da rede global de escritórios da Philipp Brothers. Ao lado dele estavam Green e alguns outros traders da Philipp Brothers que abandonaram o navio com eles: John Trafford e Jacques Hachuel, do escritório de Madri, e Alexander ‘Alec’ Hackel, do escritório de Zug. Os cinco se tornaram os sócios iniciais, reunindo 2 milhões de francos suíços em capital (cerca de US$650 mil). Rich pegou emprestado de sua família; outros investiram todas as suas economias na nova empresa. Trafford, que até então era assistente de Rich em Madri, vendeu seu carro para levantar o capital.

O início daquela que se tornaria a maior e mais poderosa força nos mercados de commodities foi bastante modesto. Não ajudou que a Philipp Brothers, furiosa com a saída dos traders da Marc Rich + Co, tenha feito o possível para prejudicá-la. Para uma trading de commodities na década de 1970, assim como nos dias atuais, o acesso ao crédito dos bancos era crucial. Os executivos da Philipp Brothers circulavam pelos bancos e os alertavam sobre os recém-chegados: “Você não pode confiar nesses caras. Eles não são sérios.”

Mas a tática falhou. Os banqueiros lembraram que Jesselson estava, apenas alguns meses antes, apresentando Rich como seu sucessor mais provável. Muitos bancos — incluindo Bankers Trust, Chase Manhattan e Banque de Paris et des Pays-Bas — decidiram emprestar à nova empresa, a despeito dos avisos. No Paribas, Rich iniciou um relacionamento com um banqueiro sênior, Christian Weyer, que duraria décadas. Juntos, Rich e Weyer popularizariam o uso de cartas de crédito como a principal forma de financiamento do comércio de petróleo. O instrumento — efetivamente uma garantia do banco de que a trading house pagará — foi usado por séculos, mas quando aplicado ao comércio de petróleo, permitiu que as empresas comprassem e vendessem grandes quantidades de petróleo com um depósito mínimo. E o Paribas — posteriormente, BNP Paribas — se tornaria, de longe, o maior financiador de traders de commodities.

O timing de Rich, mais uma vez, foi impecável. Ele estava de volta aos negócios, e o mercado de petróleo ainda estava no auge de sua maior reviravolta de todos os tempos. A Marc Rich + Co obteve os primeiros lucros quase imediatamente, e graças ao membro mais jovem da equipe: John Trafford projetou um acordo para comprar petróleo nigeriano da petrolífera francesa Elf (antecessora da Total) e vendê-lo para a refinaria norte-americana Standard Oil, de Ohio. Esse acordo back to back um tanto conservador era, ironicamente, o estilo de trading preferido pelos executivos seniores da Philipp Brothers. O primeiro lucro foi de modestos US$165 mil. Mas Rich e Green logo estariam fazendo negócios mais arriscados e lucrativos. Quando o ano terminou, após apenas oito meses de operações, as contas apresentavam US$28 milhões em lucros. No ano seguinte, seus lucros foram de US$50 milhões. Já em 1976, seu terceiro ano de operações, a Marc Rich + Co havia superado a Philipp Brothers em lucratividade, com lucros de US$200 milhões.

Na Philipp Brothers, o petróleo também estava gerando lucros recordes. Após o choque inicial da saída de Rich, a empresa rapidamente se reorganizou, colocando Tom O’Malley no comando do trading de petróleo. Enquanto os metais permaneciam importantes para a Philipp Brothers, o petróleo era, cada vez mais, o astro principal. A empresa, que até 1973 nunca havia faturado mais de US$35 milhões em rendimentos brutos anuais, estava faturando mais de US$125 milhões ao ano, de 1974 até o final da década. Em 1977, o petróleo representava mais de um terço das receitas, superando as outras 150 commodities negociadas pela empresa.

Mas a Marc Rich + Co e a Philipp Brothers não estavam sozinhas. As riquezas do mercado de petróleo atraíram muitos outros caçadores de fortunas, que se viram subitamente capazes de assegurar o petróleo que não estava mais nas mãos das Sete Irmãs e que desejavam lucrar com a sua volatilidade de preços recém-descoberta. Entre 1975 e 1980, o número de empresas independentes de trading de petróleo proliferou para mais de trezentas, embora muitas tenham falido tão rapidamente quanto entraram no mercado. Era um admirável mundo novo de jogadores ousados e fortunas rápidas que ficaria conhecido como o “mercado de Roterdã”.

Em meados da década de 1970, Roterdã tornou-se o centro da indústria de trading de petróleo. Seu vasto porto, pontuado por fileiras de guindastes arqueados sob o céu como torres de igreja, e dezenas de tanques cilíndricos de armazenamento de óleo atarracados, era o maior da Europa. Estrategicamente localizada entre os portos do Atlântico e do Báltico, que transportavam volumes cada vez maiores de petróleo russo, Roterdã era o ponto focal do mercado petrolífero europeu. Em seu auge, enormes petroleiros chegavam toda semana da Arábia Saudita, Irã, Nigéria, Kuwait e outros lugares, navegando pelos canais profundos que ligam o Mar do Norte a Roterdã, antes de descarregar seu petróleo bruto nos arredores da cidade. Várias grandes refinarias convertiam o petróleo em produtos refinados, que eram enviados em embarcações pelo imponente rio Reno para compradores em grande parte do norte da Europa. O cheiro de petróleo pairava sobre toda a área, como se fosse um posto de gasolina gigante.

Mas Roterdã era mais do que apenas um porto gigante na década de 1970. Na indústria petrolífera da época, em rápida evolução, ela tornou-se o centro coordenador para o mercado global de petróleo. Nas décadas anteriores, as Sete Irmãs trocavam cargas de petróleo entre si quando se viam com muito ou pouco; agora o mercado de Roterdã realizava esse mesmo serviço. O declínio das Sete Irmãs continuou em um ritmo acelerado, com sua participação no comércio internacional de petróleo caindo de 90% para 42% ao longo da década de 1970 — e grande parte desse petróleo acabou sendo leiloado em Roterdã.

Quando as Sete Irmãs perderam o controle do preço do petróleo em 1973, a capacidade de determinar os preços passou para a OPEP. Mas essa posição continuou a depender do antigo sistema oligopolista das Sete Irmãs, onde os preços, uma vez anunciados, seriam respeitados. Já com a ascensão dos traders, o poder de fixar os preços passou firme e irrevogavelmente para as mãos do livre mercado: logo o petróleo estava sendo negociado em Roterdã a preços muito diferentes daqueles publicados pela OPEP. E o preço do petróleo em Roterdã logo se tornou a referência para o emergente mercado “spot” de petróleo — assim chamado porque o petróleo estava sendo comprado e vendido para entrega imediata (“on the spot”, ou “na hora”, em tradução livre) e não para alguma data no futuro.

Poucos dos traders que negociavam com o petróleo de Roterdã estavam baseados na cidade holandesa, negociando a partir de escritórios em Zug, Genebra, Londres, Mônaco ou Nova York. Isso não importava. Roterdã tornou-se famosa como o ponto focal do novo e indomável mercado de petróleo e sinônimo de especulação selvagem. A nova geração de traders independentes comprava e vendia cargas de petróleo bruto e produtos refinados como se fossem fichas de cassino.

Eles eram implacáveis na busca por lucros, e ficavam satisfeitos por isso acontecer às custas de seus rivais. “É uma selva… com muitas pessoas extremamente traiçoeiras”, disse o trader-chefe da BP em Roterdã. Outro trader descreveu a concorrência como um bando de tubarões, esperando para atacar ao menor sinal de que um rival estava se metendo em apuros. “Há narizes enormes em Roterdã. No momento em que você sentir medo, alguém sentirá o cheiro.”

Os preços do petróleo, que antes eram tão baixos e estáveis, agora eram tudo menos isso. Entre 1974 e 1978, o petróleo era negociado entre US$10 e US$5 o barril, preços que seriam impensáveis alguns anos antes. Era um conjunto de circunstâncias inebriantes para os traders que tiveram a inteligência de assegurar contratos de petróleo e a coragem de apostar nos preços. Fortunas eram feitas em questão de dias ou semanas, e perdidas ainda mais rapidamente. Um grupo de empresas de trading holandesas que havia começado com carregamentos de combustível no Reno cresceu e acabou se tornando um grupo de traders importantes, incluindo Vanol, Transol e Bulk Oil. Outra empresa holandesa, a Vitol, tornou-se uma participante significativa no mercado de produtos refinados, embora mal tenha tocado em petróleo bruto até anos depois. A empresa de Theodor Weisser, Mabanaft, usou seus lucros para construir um dos maiores negócios de armazenamento de petróleo do mundo, chamado Oiltanking, que acabou por se tornar uma empresa multibilionária, com ativos em cinco continentes.

Lutter passaria anos cortejando autoridades soviéticas e iranianas para garantir acordos de petróleo, fornecendo à África do Sul milhões de barris no auge do apartheid. Wyatt, um magnata do petróleo norte americano que se ramificou no trading depois que seu primeiro negócio de gás quase faliu, seria um pioneiro do trade de petróleo entre a China e os EUA. Mais tarde, ele travaria amizades com Saddam Hussein e Muammar Gaddafi. Chalmers se especializaria no trading com o Iraque. Charles e David Koch transformariam o negócio de refino da sua família, antes direcionado para os EUA, em uma trader global de petróleo.

Grandes companhias petrolíferas também começaram a flexionar os músculos nas negociações. Até esse ponto, as grandes petrolíferas manejavam o próprio petróleo e distribuíam os próprios produtos refinados, mas, fora isso, viam o trading de petróleo com desdém. Com a onda de nacionalizações no Oriente Médio, no entanto, seus suprimentos começaram a secar e eles foram forçados a começar a comprar de outros. Agora eles criaram subsidiárias em Roterdã para desafiar os traders: a Shell criou a Petra; a BP estabeleceu a Anro; e Elf fundou a CorElf. As empresas continuam sendo grandes traders de petróleo hoje, além de suas atividades na produção e refino de petróleo.

Mas o principal de todos os caçadores de fortunas, jogadores e bucaneiros que foram atraídos para a selva do mercado de Roterdã foi Johannes Christiaan Martinus Augustinus Maria Deuss. Ao lado de Marc Rich, ele seria uma das figuras dominantes no mercado de petróleo dos anos 1970 e 1980, o epítome do trader liberal. Deuss era o oposto do ideal conservador da escola de trading da Philipp Brothers. Sem medo de fazer política, ele se misturou livremente com aiatolás iranianos, sheiks árabes e burocratas soviéticos, tornando-se até conselheiro do sultão de Omã. Ele apostou no preço do petróleo com tenacidade, ganhando e perdendo centenas de milhões de dólares de cada vez. “John Deuss é um personagem mítico”, diz Bill Emmitt, ex-executivo da corretora de petróleo PVM, que lidou com ele em várias ocasiões. “Ele sempre tentou jogar nos bastidores.”

Em contraste com Rich, Deuss de alguma forma conseguiu evitar os holofotes. Ele raramente falava em público, deu apenas um punhado de entrevistas e conseguiu manter seus lucros e perdas escondidos de olhares indiscretos. Apesar da preferência pela discrição, acabou virando manchete algumas vezes, como quando se inseriu entre os governos da Rússia e do Cazaquistão e a petrolífera Chevron para garantir um papel decisivo na construção de um importante oleoduto de exportação de petróleo da Ásia Central que valia bilhões de dólares. Era uma operação clássica de Deuss, jogar vários governos diferentes uns contra os outros para obter o máximo lucro. No final, o vice-presidente dos EUA, Al Gore, interveio pessoalmente para expulsar Deuss do projeto.

Com seu tufo de cabelos cor de areia cuidadosamente repartido de lado e ternos listrados com lapelas enormes, Deuss parecia um personagem saído diretamente de Wall Street — Poder e Cobiça, o filme que narrava os negócios selvagens da indústria financeira na década de 1980. Seu estilo de vida, no entanto, era mais parecido com o de um vilão dos filmes de James Bond. De sua base nas Bermudas, ele recebia contatos de negócios e amigos em seu iate de três mastros de 57 metros de comprimento. Sua comitiva típica incluía dois cães pastores ingleses e uma trupe de guarda costas e assistentes femininas deslumbrantes. Ele cruzava o globo em um de seus dois jatos particulares Gulfstream. “Ele tinha uma grande villa onde garotas de biquíni ficavam relaxando”, disse o jornalista holandês Friso Endt, do NRC Handelsblatt, que foi um dos poucos a entrevistar Deuss. “Uma garota lhe trazia um telex sobre algum negócio e ele dizia ‘sim’ ou ‘não’, e ela ia embora para cumprir as ordens.”

Em uma reunião em Paris, em novembro de 1976, ele ganhou um prêmio cobiçado: um contrato para exportar centenas de milhões de dólares de petróleo bruto soviético em 1977. Entre janeiro e junho, Moscou embarcou 39 cargas para Deuss. A JOC Oil pagou os primeiros seis carregamentos, mas nunca pagou os outros 33, no valor de US$101 milhões, apesar de tê-los vendido para outros com lucro. Ambos os lados alegaram crime, dando início a um longo processo de arbitragem. Deuss passaria a próxima década olhando por cima do ombro, com medo de um possível assassino da KGB.

A briga com Moscou, contudo, não o impediu. Com a JOC Oil envolvida em uma disputa legal e perdendo dinheiro, Deuss simplesmente criou uma nova empresa, chamada Transworld Oil. A essa altura, ele havia aperfeiçoado um modelo de negócios projetado para o mercado livre de petróleo dos anos 1970 e 1980: usar o petróleo para se aproximar dos governos de países em desenvolvimento e se valer desses relacionamentos para ganhar dinheiro negociando petróleo. Um dia, ele voava para Malta para negociar um projeto de construção de uma refinaria de petróleo; no outro, ele estava em Botsuana discutindo um contrato. Então, ele aparecia na Turquia, oferecendo ao governo US$200 milhões para comprar petróleo.

Os acordos de petróleo de Deuss o levaram aos cantos mais obscuros dos negócios globais, onde os traders de commodities cruzavam o caminho de traficantes de armas e espiões. Ao contrário de Marc Rich, que repudiava qualquer interesse pela política, Deuss apreciava o uso de seu poder no mercado de petróleo para fins políticos. Para ele, o capital era um proxy para a influência política. Quando perguntado por que o dinheiro era tão importante para ele, ele respondeu: “Você não entende que é uma questão de poder? E dinheiro significa poder. É simples assim.”

John Deuss personificou uma mudança no centro de gravidade do mercado de petróleo, longe das Sete Irmãs e em direção aos traders. No final da década de 1970, pessoas como Rich e Deuss vinham acumulando capital e poder por vários anos. Mas uma nova crise no Oriente Médio estava prestes a redesenhar o mercado de petróleo, trazendo riquezas em nova escala e catapultando-os para uma posição de importância geopolítica que chamaia a atenção de governos ao redor do mundo.

Em 1º de fevereiro de 1979, um avião pousou em Teerã. Dele, emergiu um homem idoso de barba branca, vestido com uma longa túnica preta. O homem, caminhando cautelosamente e auxiliado por um mordomo, era o aiatolá Ruhollah Khomeini. Seu retorno ao Irã após quinze anos de exílio marcou o ponto culminante da Revolução Iraniana e o início de uma nova era para o mercado global de petróleo.

Falando em voz alta e firme, o septuagenário disse a seus partidários: “Estamos vencendo, mas esta é apenas a primeira etapa.” Algumas semanas antes, Mohammad Reza Pahlavi, o último Xá da Pérsia, famoso por suas festas luxuosas alimentadas pelos petrodólares da crise de 1973-74, deixara o país, aparentemente de férias, para nunca mais voltar.

Para o mercado de petróleo, a Revolução Iraniana foi um relâmpago. O Irã era o segundo maior produtor de petróleo da OPEP, atrás apenas da Arábia Saudita. Uma crise do petróleo já vinha se formando há vários meses quando o aiatolá Khomeini desembarcou em Teerã. Desde o início de 1978, os trabalhadores petrolíferos estavam em greve no sudeste do Irã. No início do ano, a produção de petróleo iraniana era de cerca de 5,5 milhões de barris por dia; no final do ano, a produção havia diminuído ao mínimo.

A Revolução Iraniana não afetou igualmente a todos no mercado de petróleo. A British Petroleum, que cresceu a partir da Anglo-Persian Oil Company, foi a mais atingida. Até a revolução, a BP, graças aos seus contratos com Teerã, tinha petróleo suficiente não apenas para atender às necessidades de suas próprias refinarias, mas também para abastecer outras. De repente, esse fornecimento havia sido totalmente cortado, pois a equipe da BP foi forçada a evacuar e seus ativos foram nacionalizados. De repente, a empresa precisava comprar petróleo apenas para abastecer as próprias refinarias. As refinarias japonesas, que dependiam fortemente do petróleo iraniano fornecido pela BP e outras, também foram impactadas. Algumas refinarias norte-americanas estavam no mesmo barco.

Apesar de um aumento na produção da Arábia Saudita para compensar o déficit iraniano, os preços oficiais do petróleo da OPEP subiram ao longo de 1979 e 1980, primeiro para US$18 o barril e depois para US$28. E na realidade, o preço do mercado subiu muito mais. O petróleo mudou de mãos no mercado spot por US$40 o barril ou mais — havia rumores de negócios a US$50. Era um preço que soaria estranho apenas alguns anos antes, quando os preços eram fixados a US$2, uma década após a outra.

Para os traders, o segredo do lucro fácil era um contrato de longo prazo para comprar petróleo a preços oficiais. Então, com os preços subindo no mercado spot, eles poderiam revender o mesmo petróleo por US$5 ou até US$10 a mais por barril. E como um trader conseguiria um contrato tão lucrativo? “O que ele teve que fazer para conseguir esse contrato foi pagar uma comissão ridiculamente pequena para as autoridades competentes”, disse um executivo de uma grande empresa de petróleo na época. “E às vezes os envelopes pardos necessários eram repassados.”

Sem dúvida, envelopes pardos ou “comissões” sempre fizeram parte dos negócios em partes distantes do mundo. Mas as crises do petróleo na década de 1970 criaram uma nova economia da corrupção: a indústria petrolífera global havia sido nacionalizada recentemente, e as pessoas encarregadas de decidir quem poderia assegurar um contrato não eram mais executivos de grandes empresas petrolíferas, mas funcionários mal remunerados do governo. E de repente, graças ao aumento do preço do petróleo, eles tiveram o poder de distribuir contratos que valiam muitos milhões de dólares para um astuto trader de petróleo.

Rich era o tipo de trader preparado para fazer o que fosse necessário para colocar as mãos no petróleo. O custo de garantir um contrato de petróleo iraniano naqueles dias era de cerca de US$125 mil para o homem certo na National Iranian Oil Company. “Os subornos eram pagos para que o negócio pudesse ocorrer”, disse Rich ao seu biógrafo. “Não é um preço desvantajoso para o governo envolvido na venda ou compra.” Ele não via nada de errado em pagar pelo acesso. Enquanto os EUA  introduziram leis anticorrupção, algumas nações europeias não o fizeram. Na Suíça, era até possível contabilizar as “taxas de facilitação”, que era como os subornos eram frequentemente chamados em linguagem corporativa, como despesas dedutíveis de impostos.

Para os olhos contemporâneos, acostumados a cifras de bilhões de dólares, é fácil esquecer quão enormes eram esses lucros. A Philipp Brothers investiria seus lucros extraordinários na compra do Salomon Brothers, um dos bancos de investimento mais famosos de Wall Street. O lucro de 1979 da Marc Rich + Co transformou-a em uma das dez empresas mais lucrativas dos EUA naquele ano, ao lado de gigantes como General Electric e Ford Motors.

No entanto, ao contrário dessas empresas, a Marc Rich + Co pertencia a apenas um punhado de pessoas, não relatava publicamente nada sobre suas atividades e era praticamente não regulamentada. Os políticos começaram a perceber, na década de 1970, quão pouco sabiam sobre os traders de commodities, que em um ano haviam vendido US$1 bilhão em grãos para a União Soviética e agora pareciam controlar o preço do petróleo. Mas eles não sabiam o que fazer a respeito.

A primeira resposta foi aumentar a transparência. O Departamento de Agricultura dos EUA começou a publicar estimativas de oferta e demanda para os mercados globais de grãos; a Agência Internacional de Energia fez o mesmo com o petróleo. Seus relatórios ainda hoje são observados de perto pelos traders.

Mas quando chegou a hora de realmente controlar os traders, os reguladores não souberam como proceder. Em uma reunião do G7 em 1979, os líderes da França, Alemanha Ocidental, Itália, Japão, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos instaram as empresas petrolíferas e nações da OPEP a “moderar transações no mercado spot” e consideraram a criação de um “registro das transações internacionais de petróleo”. Foi um reconhecimento, pela primeira vez na história, dos traders de commodities como uma força a ser levada em consideração. Mas essa pressão para regular o mercado não deu em nada, e o cassino de Roterdã continuou a operar em sua gloriosa opacidade.

Em uma década, o mercado de petróleo passou por uma mudança fundamental que redefiniu a maneira pela qual o mundo acessaria energia nas décadas subsequentes.

O mercado já não pertencia ao oligopólio das Sete Irmãs, com negócios petrolíferos semicoloniais no Oriente Médio, África e América Latina. No lugar, apareceram traders como Marc Rich, sedentos por risco e desprendidos da história ou, em alguns casos, da ética. Por meio do trading, eles facilitaram uma das grandes revoluções geopolíticas e econômicas da era contemporânea: a conquista dos recursos naturais por nações ricas em petróleo, a ascensão do petrodólar como elemento crucial das finanças internacionais e a ascensão do petro-Estado como uma força na política global.

O preço do petróleo ficou sem amarras. Ele já não era decidido por algumas grandes empresas em salas de reuniões em Londres ou Nova York, mediante consulta com governos americanos e europeus. A partir dali, caberia ao mundo impiedoso do mercado de Roterdã definir o preço da commodity mais importante do planeta. Era uma mudança que excedia o petróleo. O colapso do padrão-ouro significava que o valor do dólar também era exclusividade do mercado. Em todos os lugares, o controle dos governos e instituições ocidentais sobre a economia mundial estava se afrouxando, levando ao surgimento de uma nova, e mais agressiva, era do capitalismo.

Havia chegado a vez dos traders de commodities.

Cap. 3

O Último Banco da Cidade

Hugh Hart, o ministro de Minas e Energia, estava no parlamento, e a notícia chegou a ele por volta das 18h: um funcionário do Banco Central estava angustiado, esperando para falar com ele. Hart saiu. A mensagem do funcionário era simples: os cofres da Jamaica estavam vazios. O Banco Central não conseguiu levantar o capital necessário para pagar por uma carga de petróleo.

A Jamaica vinha comprando 300 mil barris de petróleo por mês para a única refinaria da ilha caribenha, localizada na capital Kingston. A cada mês, o Banco Central forneceria uma garantia de US$10 milhões para cobrir o custo do petróleo. Mas naquele mês o Banco Central não tinha dinheiro suficiente e, portanto, não haveria petróleo. Sem o petróleo, a refinaria da Jamaica deixaria de produzir gasolina e diesel, e os postos de gasolina do país teriam que fechar.

Hart, um advogado que foi persuadido a entrar na linha de frente da política pelo cunhado, o primeiro-ministro, sabia o que isso significaria. A economia da Jamaica ainda estava se recuperando dos estragos causados pela crise do petróleo da década de 1970, que desembocou em uma violência política que transformou as ruas de Kingston em uma zona de guerra. No início da década de 1980, o pior dessa violência havia passado, mas o tecido econômico e social do país ainda estava fragilizado.

Hart ligou para a única pessoa em quem conseguiu pensar que poderia ajudar a evitar a crise: Willy Strothotte, um trader alemão altivo e com aparência de estadista que administrava a afiliada da Marc Rich + Co em Nova York. A trading house havia investido profundamente na Jamaica: a pitoresca ilha caribenha era uma das maiores produtoras mundiais de bauxita e alumina, os minerais usados para produzir alumínio. E a Marc Rich + Co era a maior trader de alumínio do mundo.

“Senhor Rich, aqui é Hugh Hart”, ele começou. “Você provavelmente não me conhece.”
“Ah, sim, eu sei tudo sobre você”, respondeu Rich. “Por que diabos você está me acordando às 2h da manhã?”
“Bem”, Hart respondeu. “É apenas uma pequena questão de vida ou morte.” Ele explicou a situação da Jamaica.
“O que você espera que eu faça sobre isso? São 2h da manhã de sexta feira e o seu Banco Central não pode levantar US$10 milhões. Que diabos?”
Hart implorou. Houve um momento de silêncio.
“Ligue para Willy em uma hora”, instruiu Rich, e desligou o telefone.

Quando Hart ligou para Strothotte em Nova York, um petroleiro cheio de petróleo estava a caminho da Jamaica. Rich havia providenciado para que um carregamento de petróleo venezuelano que seria entregue na costa leste dos EUA passasse por Kingston no caminho. Na noite de sábado, menos de 24 horas antes de a Jamaica ficar zerada, ele descarregou 300 mil barris de petróleo.

O negócio foi uma demonstração do enorme poder que Marc Rich exercia agora graças ao seu domínio do mercado de petróleo. Os choques do petróleo da década de 1970 encheram os cofres dos traders de commodities, e eles combinaram seu poder financeiro recente com uma ousadia que poucos investidores poderiam igualar. Na década de 1980, apostar o próprio capital onde outras empresas não ousariam era a marca registrada dos traders de commodities.

A Jamaica foi um excelente exemplo: o país estava à beira da falência, rejeitada por seus credores, e Rich havia acabado de entregar petróleo para o seu governo no valor de US$10 milhões sem sequer assinar um contrato. O risco valeria a pena, no entanto. O governo da Jamaica não esqueceria como Rich salvou o país da ruína. A ilha caribenha viria a se tornar uma fonte de lucros para Rich e seus sucessores nas décadas seguintes.

“Foi um dos momentos mais estressantes que tive”, lembra Hart. “Sinceramente, acho que aquilo teria derrubado o governo.”

Os acordos de Marc Rich com a Jamaica foram emblemáticos das mudanças que ocorreram na economia mundial nas décadas de 1970 e 1980. Da Jamaica à Arábia Saudita, da Guiana ao Peru, as décadas de crescimento econômico global estimularam investimentos maciços na produção de commodities em todo o mundo. Os governos do Oriente Médio, África e América Latina vinham assumindo o controle das commodities que produziam, gerando uma onda de nacionalizações. A mudança de poder das grandes companhias petrolíferas e mineradoras norte-americanas e europeias para os governos do assim chamado Terceiro Mundo abriu uma janela de oportunidades para os traders de commodities, e eles a exploraram com vontade. No processo, eles também se tornaram a conexão entre muitos países de recente assertividade e o sistema financeiro global, ajudando a canalizar dólares para governos e líderes que não tinham outras fontes de financiamento.

Em nenhum lugar isso foi mais claro do que na indústria de alumínio. O boom econômico que se seguiu à Segunda Guerra Mundial transformou o alumínio no metal mais cobiçado do mundo. Mais barato que o cobre, mais leve e versátil que o aço, o consumo de alumínio disparou graças à ampla gama de usos em aviões, carros e eletrodomésticos, que eram os símbolos da nova era do consumismo.

Antes da guerra, ele era um material relativamente de nicho. Mas como a maquinaria militar exigia uma enorme quantidade de aeronaves, os fabricantes precisavam de uma quantidade sem precedentes de alumínio. Os norte-americanos foram incentivados a coletar itens de alumínio ao redor de suas casas para acumular sucata para ajudar a atender às necessidades dos militares. Uma estação de rádio de Nova York transmitiu um programa chamado “Aluminum for Defense” [“Alumínio pela Defesa”, em tradução livre], enquanto as crianças recebiam ingressos de cinema gratuitos em troca de coletar bolas de papel-alumínio.

Quando a guerra terminou, a indústria do alumínio tinha capacidade para suprir o boom de consumo que estava por vir. A produção aumentou de 1 milhão de toneladas em 1945 para 10 milhões de toneladas em 1970. Isso, por sua vez, estimulou uma corrida mundial pela bauxita, a terra marrom-avermelhada encontrada em Guiné, na Austrália e nas famosas Montanhas Azuis do interior da Jamaica. A bauxita era transformada primeiro em alumina pulverulenta branca e, finalmente, em alumínio metálico.

Durante décadas, o mercado de alumínio foi dominado por algumas poucas grandes empresas, principalmente norte-americanas, assim como as Sete Irmãs haviam dominado o mercado de petróleo. A Alcoa, empresa fundada em 1888 pelo homem que inventou o processo de extração de alumínio, era tão predominante que, em 1951, um tribunal dos Estados Unidos a obrigou a se separar inteiramente de seus ativos internacionais, agrupados sob a Alcan do Canadá. Em 1955, as seis maiores empresas de alumínio, lideradas pela Alcoa e Alcan, controlavam 88% da oferta de bauxita do mundo não socialista, assim como 91% da oferta de alumina e 86% do alumínio. Durante grande parte das décadas de 1960 e 1970, mesmo o alumínio do Bloco Oriental era vendido pelos principais produtores sob um “acordo informal” restritivo que o impedia de fluir livremente para o mercado.

Assim como no mercado de petróleo, os grandes produtores também controlavam o valor, divulgando os preços pelos quais venderiam o metal em cada região. Todavia, também como no caso do petróleo, isso começou a mudar na década de 1970. Uma onda de “nacionalização dos recursos” varreu o mundo, à medida que os estados pós-coloniais recém independentes pressionavam por maior autonomia em relação aos antigos governantes e o aumento dos preços fazia do setor de commodities um alvo lucrativo.

No setor de alumínio, as nacionalizações começaram na Guiana, Estado fronteiriço com a Venezuela, que era o quinto maior produtor mundial de bauxita. Em 1º de março de 1971, o parlamento da Guiana legislou para permitir a nacionalização da indústria de bauxita do país, incluindo uma subsidiária da gigante canadense Alcan, que era naquele momento a maior empresa do país. A medida causou uma onda de choque nas salas de reuniões e capitais ocidentais.

“Os padrões de marketing e os planos de investimento da indústria mundial de bauxita estão sendo ameaçados por movimentos nacionalistas na região do Caribe”, alertou a CIA. Mas a agência de espionagem dos EUA não avaliou as chances de a Guiana ser bem-sucedida nessa nacionalização: ela previu que as seis grandes empresas rejeitariam a produção do país, deixando-o sem compradores para sua bauxita e alumina. Porém, a CIA não havia contado com a Philipp Brothers. Dois executivos do alto escalão da trading house voaram para a capital da Guiana e persuadiram o governo a permitir que eles vendessem toda a sua produção de bauxita e alumina.

A Jamaica era um prêmio muito maior para os traders. Na década de 1960, a ilha era o maior produtor mundial de bauxita e um dos principais fornecedores de alumina, com investimentos da maioria das grandes empresas de alumínio. Michael Manley, o carismático primeiro-ministro socialista da Jamaica, abriu as portas para as empresas de trading com um movimento dramático para aumentar a participação do governo nos lucros da bauxita e da alumina em 1974. Assim como ocorreu com as nacionalizações da indústria petrolífera nos países da OPEP, sua tentativa de obter uma parcela maior dos lucros da indústria resultou no governo possuindo ações da maioria das minas de bauxita e refinarias de alumina do país. Assim, no final da década de 1970, o governo jamaicano tinha bauxita e alumina para vender, mas pouca experiência em vendê-los ou despachá-los. Para os traders, aquilo era como um sonho.

A Guerra Fria estava no auge. No final da década de 1970, a batalha pelo domínio entre Moscou e Washington estava se desenrolando em microcosmos nas ruas de Kingston. Gangues leais aos dois principais partidos — um ligado a Moscou e outro próximo aos EUA — travaram uma sangrenta guerra territorial na capital da Jamaica. Um embaixador dos EUA na época lembrou-se de ter pisado em um cadáver fresco; eles eram deixados todas as manhãs na porta da embaixada.

Os revolucionários de esquerda estavam conquistando vitórias em toda a região. O governo do estado caribenho de Granada foi derrubado em um golpe por um grupo que rapidamente se alinhou com Cuba e a União Soviética. Na Nicarágua, os sandinistas tomaram o poder com o apoio da União Soviética.

O mecanismo foi a bauxita. Ronald Reagan, o presidente recém-eleito dos Estados Unidos, fez de Seaga o primeiro líder estrangeiro a ser convidado para a Casa Branca. Convencido da “magia do mercado”, Reagan direcionou os enormes recursos econômicos dos EUA para virar a maré política na região, e a Jamaica foi a peça central de sua política. Ele ordenou, então, que a agência de estocagem dos EUA comprasse um total de 3,6 milhões de toneladas de bauxita jamaicana entre 1982 e 1984, o equivalente a um sexto da produção do país. Isso foi prestativo, mas a necessidade de capital da Jamaica era desesperadora. E assim a Marc Rich + Co entrou em cena, pagando adiantado ao governo jamaicano pela bauxita que acabaria vendendo aos EUA.

“Não ganhamos muito dinheiro”, diz Manny Weiss, um dos traders da Marc Rich + Co que ajudou a organizar o acordo. “Era uma maneira de iniciarmos o relacionamento com a Jamaica.”

Mas essa não foi a única maneira pela qual a Marc Rich + Co ajudou o país caribenho. Por exemplo, a Jamaica, como muitos países em desenvolvimento nas décadas de 1970 e 1980, dependia fortemente de empréstimos do FMI. Mas o FMI impôs condições rigorosas ao país, que incluíam o cumprimento regular de certas metas financeiras. E às vezes as contas do governo ficavam alguns milhões de dólares aquém do esperado.

E, assim, o governo recorreu à Marc Rich + Co. Em uma ocasião, Hart se lembra de ligar para Strothotte e dizer que o governo jamaicano estava desesperado por US$5 milhões para conseguir atender às exigências do FMI. O trader alemão entregou o valor imediatamente. Novamente, a Marc Rich + Co havia salvado a pele do governo jamaicano; e mais uma vez, fez isso sem sequer assinar um contrato. Esses acordos exigiam alguma contabilidade criativa: para satisfazer o FMI, o dinheiro que a trading house depositara nas contas do governo não podia ser mostrado como dívida. “É claro que era uma dívida, mas nunca foi mostrado como uma”, afirma Hart. “Pelos registros, nós não devíamos nada a eles.”

Isso não era tudo. Quando o governo jamaicano quis comprar a refinaria de petróleo do país de uma subsidiária da Exxon, a Marc Rich + Co emprestou o dinheiro. A trading até ajudou a financiar a equipe da Jamaica nas Olimpíadas de 1984, em Los Angeles, e pagou para enviar uma equipe de bobsled para participar das Olimpíadas de Inverno de 1988, cuja improvável jornada para os Jogos foi narrada no filme da Disney Jamaica Abaixo de Zero.

Hart, que três décadas depois ainda é amigo de alguns ex-traders da Marc Rich + Co, diz que o país estaria perdido sem o trader de commodities. “Não há dúvida de que Marc Rich nos ajudou muito”, diz ele. “Tínhamos um ótimo relacionamento. Claro, eles fizeram muito dinheiro. Eles fizeram muito dinheiro, tal como deveria ser. Mas nós nos saímos tão bem quanto, ou melhor do que sairíamos se tivéssemos enfrentado o mercado aberto em algum outro lugar.”

Para a Marc Rich + Co, o relacionamento jamaicano foi o início de uma série de acordos fascinante, que se estendeu da ilha caribenha ao coração industrial dos EUA. Eles dariam à trading house uma posição de destaque no mercado global de alumínio — e entregariam centenas de milhões de dólares em lucros. O que aconteceu a seguir foi uma demonstração magistral de como os traders da Marc Rich + Co poderiam transformar um relacionamento com um governo empobrecido em favor de sua própria vantagem financeira.

Em meados da década de 1980, a indústria de alumínio entrou em uma recessão punitiva. O motivo foi o custo da energia. Embora o alumínio seja um dos elementos mais comuns na crosta terrestre, transformá-lo em metal puro é um processo custoso, que ocorre em duas etapas — primeiro, de bauxita para alumina, depois de alumina para alumínio — que consomem quantidades enormes de energia.

A produção de uma tonelada de alumínio consome a mesma quantidade de eletricidade que uma família norte-americana consome em um ano. O consumo de energia é tão grande que muitos traders brincam, chamando o metal de “eletricidade congelada”. É por isso que a maioria dos fundidores é construída onde a eletricidade é barata, a exemplo da Sibéria, com a energia hidrelétrica; da Islândia, com a geração geotérmica; ou do Oriente Médio, com o gás natural.

Até 1973, as empresas de alumínio não se preocupavam muito com suas contas de eletricidade. Mas quando o preço do petróleo disparou, isso tornou os custos de energia exorbitantes, mergulhando a indústria em uma crise.

Ao mesmo tempo, o poder de precificação da indústria estava passando das grandes empresas para a London Metal Exchange, onde os traders compravam e vendiam o metal. Cada vez mais, o preço de cada elemento na cadeia de produção do alumínio, da alumina ao papel-alumínio, era comparado com as cotações da LME. E com a estagnação do consumo, os preços da LME caíram.

A indústria da Jamaica foi duramente atingida. As usinas de alumina da ilha foram construídas ao lado de geradores movidos a petróleo nas décadas de 1950 e 1960, tornando-as particularmente sujeitas ao aumento dos preços do petróleo. A produção de alumina e bauxita despencou. Uma grande empresa de alumínio chamada Reynolds anunciou que estava fechando sua operação de bauxita na Jamaica em 1984. Já em 1985, o gerente da fábrica da Alcoa entrou no escritório de Hart e informou-o de que a empresa norte americana fecharia a unidade em poucos dias.

Atento às consequências potencialmente devastadoras para a economia jamaicana, Hart rapidamente esboçou um plano para salvar a indústria de alumina. Ele decidiu que o governo compraria a fábrica. Mas havia um problema: ele não tinha o capital para implementá-la. Para o plano dar certo, ele precisaria encontrar alguém disposto a comprar a alumina, e isso não parecia nada fácil. O mercado estava superabastecido e os preços estavam despencando. Para piorar, a alumina não pode ser armazenada por muito tempo, pois absorve a umidade do ar. Assim, Hart pegou um avião para a Suíça para ver as únicas pessoas que poderiam ajudá-lo: os traders da Marc Rich + Co.

Strothotte e Weiss nem sequer hesitaram. Eles negociaram um contrato de dez anos para comprar alumina da fábrica da Alcoa, a Jamalco. Eles também forneceriam óleo combustível e soda cáustica, dois dos principais custos de insumos da fábrica, além de pagar parte do dinheiro adiantado, ajudando a financiar a aquisição do governo de uma participação na empresa da Alcoa.

Foi o início de um dos negócios mais lucrativos da Marc Rich + Co. A desaceleração não apenas colocou os produtores jamaicanos de alumina sob pressão. Em todo o mundo, os fundidores de alumínio — que transformam alumina em alumínio — também enfrentavam dificuldades financeiras. E assim a Marc Rich + Co começou a oferecer um acordo aos fundidores em apuros: a trading house iria fornecer-lhes alumina e, como pagamento, receberia o alumínio que produzissem. Esse tipo de acordo, no qual se troca a matéria-prima por um produto final, também é chamado de “tolling”, e já era usado antes com o petróleo e o zinco; a Marc Rich + Co simplesmente aplicou-o ao setor de alumínio.

“Isso se espalhou como um incêndio”, diz Weiss. A trading house tornou se “uma espécie de produtor, mas sem os problemas de se deter a produção”. No espaço de alguns meses, em 1986, a afiliada norte americana da Marc Rich + Co fechou acordos de tolling com fundidores em Oregon, Ohio e Carolina do Sul. A combinação do contrato com o governo jamaicano para comprar alumina e esses acordos de tolling para o alumínio ajudaram a fazer da Marc Rich + Co a maior trader de alumínio do
mundo, competindo com gigantes industriais como Alcoa e Alcan — tudo isso sem gerenciar nenhum fundidor de fato. Em 1987, a empresa foi mais longe ainda. Em Mount Holly, nos arredores de Charleston, capital do estado da Carolina do Sul, a trader comprou uma participação de 27% em um fundidor de alumínio — seu primeiro grande investimento em ativos — e também fechou um acordo de tolling para metade da produção do fundidor.

Foi um momento propício. No início de 1987, Weiss estava convencido de que os preços do alumínio subiriam drasticamente. O Brasil era visto como uma nova e importante fonte de abastecimento, mas sua indústria de alumínio havia sido atingida por cortes de energia. Em outros lugares, o aumento nos preços da eletricidade limitou a produção. E, após a recessão no início dos anos 1980, a economia dos EUA estava se acelerando. A Marc Rich + Co já estava bem posicionada para lucrar graças aos acordos de tolling, que garantiam um fluxo constante de metal. Mas Weiss foi mais longe: passou a comprar alumínio diretamente na LME, apostando fortemente em uma alta dos preços.

Os preços do alumínio não apenas subiram — eles dispararam. A crescente demanda pelo metal em carros e eletrodomésticos havia reduzido os estoques a níveis perigosamente baixos. Os usuários de alumínio se apressaram para comprar o metal, esgotando os estoques mantidos em armazéns vinculados à LME. E Weiss se juntou a eles. No auge, sua posição — que seus chefes na Marc Rich + Co haviam limitado a 100 mil toneladas — era maior do que a de todos os estoques restantes nos armazéns da LME.

Foi uma tempestade perfeita. De uma baixa em 1985 a um pico em junho de 1988, o preço do alumínio mais que quadruplicou. O impacto foi sentido por toda parte — elevando até mesmo o custo desse item de cozinha, o papel-alumínio, em mais de um terço.

Weiss havia encurralado o mercado de alumínio. Embora ele não possuísse todo o alumínio do mundo — isso estaria além dos meios financeiros da Marc Rich + Co — ele não precisava disso. Na LME e em outras bolsas de futuro, os traders compram e vendem contratos para a entrega de uma commodity em uma data específica. Quando essa data chega, os traders que venderam contratos futuros devem entregar a mercadoria para os compradores. Na LME, isso significa entregar o metal que está em um armazém da LME.

Mas no mercado de alumínio do verão de 1988, não havia metal suficiente nos armazéns da LME para ser entregue. Isso colocou qualquer um que tenha vendido futuros de alumínio contra a parede. Sem estoques suficientes do metal para liquidar os contratos, a única maneira de evitar a inadimplência era recomprar os contratos que haviam sido vendidos. E isso, muito provavelmente, significava comprar de Weiss.

O custo foi de arregalar os olhos. O preço do alumínio para entrega imediata subiu para US$4,290 a tonelada — mais de mil dólares acima dos contratos para entrega em três meses, uma indicação da escala daquela escassez. A diferença de preço era tão extrema que alguns traders rivais começaram a transportar alumínio dos Estados Unidos para os armazéns da LME perto de Roterdã em jatos jumbo, a fim de obter o metal o mais rápido possível. Weiss contava ganhos na casa dos milhões de dólares.

Então, tão rápido quanto o mercado subiu, ele começou a cair. Traders japonesas começaram a vender seus estoques em um esforço para diminuir o aperto. Mas a Marc Rich + Co, que soube das vendas japonesas por meio de contatos em Tóquio, já havia vendido sua posição. Weiss afirma que não pretendia dominar o mercado — ele apenas previu que não haveria alumínio suficiente para circular. “Não era algo que alguém pudesse ter concebido; foi pura sorte.”

Ainda assim, isso deixou a Marc Rich + Co ainda mais rica. Em 1988, a divisão de metais ultrapassou o petróleo como principal gerador de lucros da empresa. Só com o alumínio, naquele ano, ela faturou mais de US$100 milhões.

Todavia, por mais que a trading house desfrutasse das riquezas do alumínio, na Jamaica, os políticos da oposição argumentavam que o astuto trader de commodities havia tirado proveito do governo. Após as eleições de 1989, o ex-primeiro-ministro Michael Manley voltou ao poder com a promessa de investigar os acordos do governo anterior com Marc Rich. Mas ele logo foi presenteado com uma demonstração do poder do trader. Marc Rich não saía de um acordo lucrativo sem uma luta. E a Jamaica ainda precisava do dinheiro dele.

Hugh Small, o novo ministro da Mineração, foi um dos críticos mais notórios das relações estabelecidas pelo governo anterior com Rich. Em uma viagem à Venezuela, Small foi abordado por um ministro venezuelano que exaltou as virtudes da Marc Rich + Co e sugeriu que poderia ser “do interesse da Jamaica” adotar uma posição menos hostil em relação à trading house. Logo depois, o ministro esteve no Canadá para negociações com a gigante do alumínio Alcan. Mais uma vez, o assunto Marc Rich veio à tona. Dessa vez, os canadenses mostraram a Small um documentário detalhando a importância do trader para a indústria global de alumínio.

Small foi ao encontro de Willy Strothotte, que concordou com um pequeno aumento no preço de alumina sob o contrato da Marc Rich + Co. Mas havia um porém. Strothotte queria que o governo jamaicano anunciasse publicamente que estava abandonando quaisquer investigações sobre Marc Rich. O ministro, ofendido com a proposta “toma lá, dá cá”, recusou. No entanto, a Jamaica tinha pouca escolha: o país ainda precisava do dinheiro de Rich. No final de junho, Manley ergueu-se no parlamento e anunciou que havia pegado um novo empréstimo de US$45 milhões da Marc Rich + Co para ajudar o governo a cumprir sua meta no FMI. “Se Marc Rich é bom para a Jamaica, Marc Rich é bom para a Jamaica”, disse ele. Não era bem o pedido de desculpas que Strothotte estava esperando, mas estava perto o suficiente.

Em troca, ao longo de quase trinta anos, a Marc Rich + Co e a Glencore forneceriam financiamento à Jamaica no valor de cerca de US$1 bilhão. “A Glencore, e antes dela Marc Rich, eram literalmente o último banco da cidade”, diz Carlton Davis, ex-chefe do serviço civil jamaicano, que esteve envolvido em muitas negociações com a trading house.

Os acordos na Jamaica foram uma aula magistral sobre a recém descoberta influência dos traders de commodities. Graças ao seu poder financeiro sem precedentes e ao domínio dos mercados de commodities, traders como Marc Rich foram capazes de aproveitar a vulnerabilidade econômica de países como a Jamaica. Com as grandes empresas ocidentais de petróleo e mineração em retirada, a ausência de um escrutínio regulatório, e com os bancos de Wall Street ainda por descobrir os mercados emergentes, o caminho estava livre para os traders.

Os traders da Marc Rich + Co apareciam em seus escritórios em Mayfair usando gravatas caras da Hermès; alguns também tinham hábitos custosos de uso de cocaína; em suas festas de Natal, a empresa distribuía carros esportivos.

O aumento nos preços do petróleo durante a década de 1970 mergulhou muitos países importadores no caos. Em toda a América Latina, as nações estavam de joelhos devido a uma crise de endividamentos que atingiu a classe média do continente, levando milhões à pobreza. Enquanto isso, Moscou e Washington travavam guerras por procuração em todo o mundo, da Nicarágua a Angola. Os embargos comerciais proliferaram.

Não era apenas a indústria de bauxita que os governos do mundo em desenvolvimento estavam nacionalizando. Em todos os lugares, o controle os mercados de commodities estava sendo arrancado das mãos de grandes corporações norte-americanas. Quatro dos maiores exportadores de cobre do mundo — Chile, Peru, República Democrática do Congo e Zâmbia — nacionalizaram algumas ou todas as suas indústrias de mineração nas décadas de 1960 e 1970. O Bloco Oriental dos Estados comunistas tornou-se uma fonte cada vez mais importante de suprimentos de chumbo, zinco e petróleo para aqueles dispostos a negociar com eles. Em todos os lugares, os mercados de commodities estavam se abrindo. As cadeias de suprimentos estavam se tornando mais fragmentadas, e o poder das grandes empresas de petróleo e mineração ia se dissipando. Os preços estavam sendo fixados pelo mercado, e não ditados por algumas poucas empresas dominantes — e nesta lacuna entraram os traders de commodities.

À medida que os traders de commodities se envolveram com o que outros
viam como nações problemáticas, eles encontraram um mundo com pouco
dinheiro, onde os riscos eram numerosos, mas as recompensas eram enormes.

Em 1981, um economista do Banco Mundial cunhou o termo “mercados emergentes” para descrever um conjunto de nações do Terceiro Mundo em rápido desenvolvimento que estavam sendo rapidamente incorporadas à economia global — e os traders descobriram essas nações antes de qualquer um. Países como Brasil, Indonésia ou Índia, que hoje são destinos obrigatórios até para os grandes investidores, eram as fronteiras do mundo capitalista.

Nos mercados emergentes, os traders de commodities não compravam e vendiam apenas matérias-primas. Em vez disso, eles se expandiram para os bancos comerciais e capital privado, um dia emprestando dinheiro ao governo da Nigéria, no outro investindo em fábricas de anchovas peruanas. Os traders de commodities estavam, efetivamente, engajados na arbitragem de capital: levantando fundos no mundo industrializado e investindo-os em mercados emergentes, onde desfrutavam de retornos mais fartos.

Tratava-se, contudo, de um mundo arriscado, assediado por crises políticas, sobrecarregado por controles cambiais e prejudicado pela burocracia. Mas se eles acertassem o timing, os traders poderiam tirar a sorte grande. No Brasil e na Argentina, por exemplo, os investimentos se pagam em dois ou três anos, em comparação com os dez ou mais anos nos países desenvolvidos. As trading houses estavam confiantes de que seriam pagas: sem elas, os países não poderiam exportar seus bens e adquirir preciosas moedas fortes.

Para traders de commodities como Rich, com um apetite para correr riscos e uma disposição para fazer negócios com qualquer um e com todos, aquele era o ambiente ideal. Um governo de esquerda nacionalizou sua indústria de recursos? Os traders estavam à disposição para ajudá-los a vender as commodities. Um governo de direita toma o poder em um golpe militar? Bem, eles também precisariam de ajuda para vender suas commodities.

Foi exatamente assim que aconteceu na Jamaica. Quando o governo de esquerda do país fez um acordo com Moscou para trocar bauxita por carros Lada de fabricação soviética, a Marc Rich + Co ajudou a lidar com a logística; quando o governo seguinte trocou a bauxita com o governo dos EUA por grãos e leite em pó norte-americanos, a Marc Rich + Co atuou como intermediária.

“É uma concorrência quase desleal”, reclamou um trader rival de uma grande empresa francesa. “Na maioria das empresas, se você pedisse para emprestar dinheiro à Jamaica, eles o jogariam pela janela.”

Na década de 1980, a lista de países com os quais “a maioria das empresas” não sonharia em lidar cresceu cada vez mais. Exatamente onde traçar a linha era uma questão de gosto pessoal. Alguns traders ficavam satisfeitos em fazer negócios em países complicados como a Índia ou as Filipinas, mas traçavam uma linha quando se tratava de zonas de guerra e Estados párias. Para outros, qualquer canto do mundo servia.

Marc Rich estava entre aqueles que não tinham relutância em lidar com ninguém, incluindo aqueles que se encontravam sob sanções econômicas. “Em um embargo, apenas as pessoas comuns sofrem”, disse Eddie Egloff, sócio sênior da Marc Rich + Co. “Fazíamos negócios de acordo com nossas próprias leis, e não com as dos outros.” Assim, Rich negociou tranquilamente tanto com o governo chileno de extrema-direita de Augusto Pinochet quanto com o esquerdista Daniel Ortega na Nicarágua. Seu norte era o dinheiro, e não a política.

De todos os lugares complicados que se tornaram playgrounds para os traders de commodities na década de 1980, foi durante o apartheid na África do Sul que a abordagem amoral dos traders perante os negócios ficou mais evidente. E as recompensas por colocar a moralidade de lado foram significativas. “Todo mundo estava negociando com a África do Sul”, lembra Eric de Turckheim, chefe de finanças da Marc Rich + Co e mais tarde sócio fundador da Trafigura. O próprio Rich disse que o comércio com a África do Sul tinha sido o “mais importante e mais lucrativo”.

No entanto, as fortunas de um punhado de trading houses e executivos de petróleo foram construídas em grande parte pelo prolongamento do sofrimento dos sul-africanos negros. O petróleo era o calcanhar de Aquiles da África do Sul. O resto do continente foi agraciado com riquezas significativas de petróleo, mas a geologia não foi tão gentil com a África do Sul. Durante anos, sua única fonte doméstica de gasolina envolvia produzi-la a partir de carvão por meio de um processo custoso que havia sido iniciado pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Se a África do Sul quisesse petróleo, teria que ser importado.

Por alguns anos após a imposição de um governo voltado para brancos em 1948, a África do Sul pôde negociar livremente com o mundo. Suas leis de segregação ainda não pareciam deslocadas aos olhos de muitos em Washington e Londres, que estavam felizes em apoiar um aliado da Guerra Fria. Com o tempo, no entanto, o governo racista sul-africano ficou sob uma crescente pressão. Essa mudança de atitude foi refletida em um discurso do primeiro-ministro britânico Harold Macmillan na Cidade do Cabo, em 1960. “Os ventos da mudança estão soprando neste continente. Gostemos ou não, esse crescimento da consciência nacional é um fato político. Todos nós devemos aceitar isso como um fato”, disse ele.  A indignação do mundo foi agravada pelas notícias de massacres perpetrados pela polícia sul-africana, composta apenas por brancos. O país foi excluído dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964, a primeira de muitas proibições desse tipo. Mas enquanto a África do Sul era boicotada no cenário mundial em eventos esportivos e culturais, sua economia ainda não havia sido muito afetada. O petróleo ainda fluía livremente.

Isso começou a mudar em 1973, quando os membros árabes da OPEP impuseram um embargo de petróleo à África do Sul devido à sua aparente amizade com Israel. Logo depois, em 1977, a Assembleia Geral das Nações Unidas pediu um embargo de petróleo em resposta à violenta repressão de Pretória ao levante de Soweto, um ano antes. Ainda assim, a África do Sul podia contar com o Xá do Irã, que garantiu que seu petróleo continuasse a fluir, independentemente do que o resto do mundo pudesse pensar. O Irã passou a responder por cerca de 80% do suprimento de petróleo da África do Sul, com algumas refinarias configuradas para funcionar exclusivamente com base no petróleo persa. No entanto, a Revolução Islâmica em 1979 acabou com o negócio da noite para o dia, pelo menos oficialmente. Com o aiatolá Khomeini no poder, o Irã parou de vender petróleo diretamente para a África do Sul.

Pretória teve que recorrer aos traders de commodities. Eles ajudaram a assegurar petróleo do Irã, União Soviética, Arábia Saudita e Brunei — a um preço. Os negócios eram envoltos em sigilo, já que poucos países produtores de petróleo permitiam a sua venda para a África do Sul. Pelo menos, não oficialmente. Em muitos casos, funcionários do governo fizeram vista grossa, felizes em garantir receitas em divisas estrangeiras e, às vezes, subornos. Este era um período anterior aos satélites rastreando todos os navios no oceano, e os traders conseguiam esconder facilmente suas manobras. Em uma ocasião, o capitão do Dagli, um petroleiro contratado pela Marc Rich + Co, foi instruído a simplesmente apagar o nome do navio. O capitão foi pego de surpresa pelo pedido, respondendo via telex: “Em nenhuma circunstância o nome será pintado sob meu comando, mas vou cobrir o nome com lona, se o tempo permitir. Saudações.”

Sem os traders, a economia do apartheid na África do Sul quase certamente teria entrado em colapso muitos anos antes. Chris Heunis, um ministro sul-africano, admitiu que Pretória tinha mais dificuldades para comprar petróleo do que armas, e que o embargo do petróleo “poderia ter destruído” o regime do apartheid. Para os traders, no entanto, era um negócio extremamente lucrativo. P. W. Botha, líder da África do Sul de 1978 a 1989, disse que a compra de petróleo bruto dos traders custou ao país 22 bilhões de rands (mais de US$10 bilhões) a mais ao longo de uma década. Em um único contrato em 1979, Rich foi capaz de vender milhões de barris de petróleo na África do Sul a US$33 o barril, que ele havia comprado ao preço oficial de US$14,55, cobrando assim um bônus de 126%.  “Tivemos que gastar esse dinheiro porque não podíamos parar nossos automóveis e nossas locomotivas a  diesel, ou a nossa vida econômica entraria em colapso”, disse Botha, conhecido como “o grande crocodilo”, a um jornal local. “Pagamos um preço pelo qual sofremos até hoje.”

Os traders não estavam ganhando dinheiro por meio de uma compreensão brilhante do mercado. Eles estavam simplesmente dispostos a deixar de lado quaisquer princípios éticos para ganhar mais dinheiro. Quando questionados sobre as negociações com a África do Sul, eles responderiam que tudo o que estavam fazendo era legal. A BBC conseguiu encurralar Deuss em 1986, em uma conferência em Londres, naquela que é a sua única entrevista conhecida na televisão. Questionado sobre os negócios com a África do Sul, o holandês foi evasivo, mas insistiu que não havia nada de errado com o que quer que estivesse fazendo. “Não infringimos nenhuma lei em nenhum dos países nos quais operamos”, disse ele. “Usar documentos falsos? Isso é ilegal. Mas encobrir o nome de um navio? Bem, não estou tão certo disso… Quer dizer, se você tem um barco no seu quintal e encobre o nome dele, isso é ilegal?”

A resposta de Rich foi ainda mais distorcida. “Eu era fundamentalmente contra o apartheid. Todos nós éramos contra o apartheid”, disse ele. E então acrescentou, sem pausa: “Os sul-africanos precisavam de petróleo e as pessoas estavam relutantes em vendê-lo por causa do embargo. Concordamos em fazer isso porque sentimos que não era algo ilegal.”

No mundo dos embargos e favores políticos da década de 1980, os traders aprenderam a ser mestres do disfarce e da dissimulação. O trade foi dividido em linhas políticas: muitos países se recusaram a permitir que seus produtos fossem vendidos para a África do Sul; outros se recusaram a comprar de certos países; alguns venderam a seus aliados com desconto.

As restrições abriram oportunidades de lucro para os traders que poderiam contorná-las. Isso muitas vezes significava ser capaz de produzir documentações que mostrassem que o petróleo ou os metais vieram de um lugar diferente do que realmente vieram. A Marc Rich + Co, de acordo com um trader sênior da época, tinha um armário cheio de selos e formulários alfandegários de todos os países do mundo. Um trader precisava provar que seu petróleo havia sido carregado em Porto Rico? Sem problemas. Ou que foi entregue em Singapura? Fácil.

Para a Marc Rich + Co, um dos disfarces mais rentáveis da época chamava-se Cobuco. Em suma, envolvia os traders de commodities mais ricos do mundo disfarçando-se de burocratas das nações mais pobres.

Fundada no início dos anos 1980, a Cobuco era uma sigla para Compagnie Burundaise de Commerce, sediada em um bairro chique de Bruxelas. Ostensivamente, a Cobuco era uma empresa de trading que comprava petróleo no mercado internacional para fornecer ao Burundi, uma nação africana pequena, pobre e sem litoral na região dos Grandes Lagos, na fronteira com Ruanda, Tanzânia e República Democrática do Congo. Com pouco mais do que café, chá e agricultura de subsistência para sua economia, o Burundi, que só conquistou sua independência da Bélgica em 1962, é o país mais pobre do mundo.

Um observador casual poderia supor que a Cobuco era um posto burocrático avançado do governo do Burundi. Ligue para o escritório da empresa em Marie Depage 7 em Bruxelas, e um Monsieur Ndolo atenderá o telefone.

O Movimento dos Países Não-alinhados, um grupo de países que tentou manter distância de Washington e Moscou durante a Guerra Fria, ainda era relativamente coeso, e as nações mais pobres do grupo podiam contar com os membros mais ricos para ajudá-los. As nações da OPEP, em particular, estavam dispostas a vender petróleo com desconto para as nações africanas. As taxas de juros do dólar americano aproximavam-se de 20%, e para muitos países africanos garantir empréstimos bonificados para financiar suas compras de petróleo era tão importante quanto ter acesso a barris baratos.

Então, a trader Marc Rich + Co teve uma ideia: usar uma nação pobre da África ou da América Latina como fachada para poder colocar as mãos em barris baratos e financiamentos mais baratos ainda. E assim nasceu a Cobuco. Oficialmente, a empresa era uma joint venture cuja metade da propriedade pertencia a Rich e metade pertencia ao governo do Burundi. No papel, era perfeitamente honesto: sua constituição foi formalmente aprovada pelo parlamento da nação africana. Na realidade, o esquema da trader equivalia a uma piada absurda. O minúsculo Burundi era um candidato tão improvável quanto qualquer outro para um empreendimento internacional de comércio de petróleo. Por um lado, não possuía litoral. Por outro, seu consumo de petróleo era tão pequeno que até mesmo um petroleiro era suficiente para atender às suas necessidades por mais de seis anos. No final, a Cobuco não abasteceu o país com um único barril de petróleo — embora tenha ajudado a encher os bolsos de várias autoridades do Burundi.

O jovem trader que organizou esse empreendimento assumiu a direção da Cobuco, passando a usar o pseudônimo de Monsieur Ndolo. Ele escolheu o Irã como fonte potencial de petróleo para o Burundi. Por intermédio dos contatos que a Marc Rich + Co já tinha em Teerã, ele organizou uma viagem do presidente do Burundi à capital iraniana. Monsieur Ndolo deu instruções precisas aos parceiros africanos. O trader queria comprar petróleo a preços oficiais da OPEP (cerca de US$27 a US$28 o barril), significativamente abaixo do mercado à vista na época (de US$30 a US$35 barril). As condições de pagamento eram extraordinariamente vantajosas: como Burundi era uma nação não alinhada, não precisaria pagar pelo petróleo por dois anos. Isso equivalia a um empréstimo de dois anos sem juros. A Cobuco disse aos iranianos que a Marc Rich + Co cuidaria de todos os detalhes das remessas, e que o petróleo bruto seria processado em uma refinaria no porto queniano de Mombasa e, de lá, transportado para as terras altas do Burundi.

Nos meses seguintes, a Marc Rich + Co enviou petroleiros ao Golfo Pérsico para pegar o petróleo. Oficialmente, todos os barris chegaram a Mombasa. E na realidade? Claro que não, disse Monsieur Ndolo. “Mas tínhamos toda a papelada dizendo que os barris foram descarregados em Mombasa”, acrescentou. Em vez disso, a Marc Rich + Co desviava o petróleo para o mercado global, revendendo os barris com grandes margens de lucro. Uma parte do petróleo foi para a África do Sul, cujo regime do apartheid estava disposto a pagar um bônus acima até do preço à vista.

Rich fez uma fortuna. A diferença de preço entre o preço oficial que a Cobuco pagou aos iranianos e o preço à vista, de US$5 a US$8 o barril, rendeu algo entre US$40 e US$70 milhões em lucros, embora Monsieur Ndolo não tenha mais certeza do valor exato. Do que ele se lembra claramente é do lucro proporcionado pelas condições de pagamento, excepcionalmente generosas. A Cobuco precisava pagar aos iranianos por dois anos, mas quem quer que comprasse o petróleo dela pagaria dentro de trinta a sessenta dias. Isso deu à Marc Rich + Co a oportunidade de investir o dinheiro por um ano ou mais no mercado monetário e embolsar taxas de juros próximas a 20%. Monsieur Ndolo lembra exatamente o quão lucrativo foi esse empréstimo de dois anos: a empresa obteve um lucro adicional de US$42 milhões, quase tanto quanto lucraram revendendo o petróleo no mercado spot.

Burundi recebeu uma taxa por seus serviços: US$0,20 por barril, uma pequena fortuna para o país — embora Monsieur Ndolo não diga se o dinheiro chegou aos cofres do Estado —, mas uma miséria em comparação com os milhões de dólares que a Marc Rich + Co havia feito.

Rich ficou encantado. Ele enviou um telex para todos os escritórios de seu vasto império de commodities: “Queremos mais Cobucos”. E ele as teve. No final da década de 1980, a Marc Rich + Co havia estabelecido quatro ou cinco desses empreendimentos em toda a África, de acordo com outro trader sênior de petróleo da empresa na época.

Rich fez do Irã o pilar de seu império — mas também foi, de certa forma, sua ruína. O país havia sido a fonte de acordos lucrativos no oleoduto Eilat Ashkelon na década de 1970, além de ter sustentado a fantástica lucratividade do esquema da Cobuco e de ser a fonte de grande parte do petróleo que ele enviava para a África do Sul. A revolução de 1979 não o deteve: Pinky Green voou para Teerã no mesmo dia em que o aiatolá Khomeini voltou para persuadir os iranianos a seguir vendendo petróleo para a Marc Rich + Co.

Alguns meses depois, uma multidão invadiu a embaixada dos EUA em Teerã e sequestrou dezenas de diplomatas norte-americanos, mantendo-os em cativeiro por mais de um ano. Em resposta ao sequestro, o presidente Jimmy Carter emitiu várias ordens executivas congelando ativos iranianos nos EUA, impondo um embargo comercial geral e proibindo especificamente o comércio de petróleo com o país.

Muitos norte-americanos podem ter encerrado suas negociações com Teerã a essa altura — por razões legais ou éticas. Rich, no entanto, não foi dissuadido. Afinal de contas, ele havia construído um negócio extremamente bem-sucedido em parte pela disposição em contornar embargos. A natureza internacional do trading de commodities significava que nenhum governo poderia regulá-lo de fato. O governo dos EUA proibiu o comércio de petróleo com o Irã, mas isso não impedia uma empresa suíça, como a filial em Zug da Marc Rich + Co, de fazê-lo. “Sinto-me confortável”, respondeu ele, quando indagado se sentia alguma culpa por comprar petróleo iraniano durante a crise dos reféns.

Sendo assim, não foi nada estranho para Rich quando, na primavera de 1980, John Deuss entrou em seu escritório em Manhattan com uma oferta para comprar um pouco de petróleo iraniano. Deuss e Rich eram os dois titãs do trading de petróleo da época — eles lidavam com os maiores volumes, assumiam os maiores riscos e não ligavam para escrúpulos políticos. Não importava que naquele exato momento 52 norte-americanos estivessem sendo mantidos reféns em Teerã; havia um acordo a ser feito. E Deuss veio até Rich em busca de um acordo grande: a venda de mais de US$200 milhões em petróleo iraniano.

De julho a setembro, a trading house de Rich entregaria oito cargas de petróleo bruto e óleo combustível para a Transworld Oil de Deuss, culminando em uma carga de 1.607.887 barris de petróleo iraniano no valor de US$56.463.649, entregue em 30 de setembro. O dinheiro fluiu da conta da Transworld na Société Générale em Paris para a conta de Rich em Nova York e, de lá, de volta para Paris, para uma conta que o Banco Central iraniano mantinha no Banque Nationale de Paris.

O acordo mudaria o curso da vida de Marc Rich e, provavelmente, a história do setor de trading, marcando o início de uma batalha legal de vinte anos que colocaria a fotografia de Rich na lista dos “Dez mais procurados” do FBI.

Na mesma época em que ele estava negociando petróleo iraniano com Deuss, os promotores norte-americanos estavam montando um caso contra Rich por fraude fiscal. Quando descobriram os acordos com o Irã, os promotores sabiam que haviam tirado a sorte grande. O que começou como um caso tributário complexo tornou-se um conto sobre a amoralidade dos traders de commodities que provocaria a fúria do establishment norte americano e condenaria Rich aos olhos do público.

Em 1983, quando Rich foi indiciado por um grande júri, ele se transformou em uma celebridade da noite para o dia. Sua história parecia o enredo de um thriller de Hollywood: um trader de commodities bilionário que evadia impostos; uma negociação de petróleo com os comparsas do aiatolá Khomeini do Irã; e promotores parando um voo da Swiss Air na pista do aeroporto John F. Kennedy tarde da noite para evitar que documentos fossem contrabandeados para fora do país.

O caso cativou a imaginação do mundo. Repórteres voaram para Zug para espreitar as ruas da pequena cidade suíça, na esperança de vê-lo de relance; ele escapava de seu escritório para o restaurante que possuía do outro lado da rua, acompanhado por guarda-costas. A imagem dele irradiada ao redor do globo era a de um vilão de pantomima: o cabelo escuro penteado para trás e um longo charuto fumegando na mão. Rich, sempre o forasteiro, sustentou que havia sido injustiçado. “Fui retratado de uma maneira horrível, como um workaholic, um solitário, uma máquina de dinheiro. Não é uma imagem verdadeira. Sou uma pessoa modesta e tranquila, que nunca fez nada ilegal”, disse ele.

O povo norte-americano, sofrendo com os preços altos da gasolina, pouco se importou com seus protestos. Graças aos hectares de jornais escritos sobre Marc Rich e seu bando de traders, eles descobriram os enormes lucros que os traders de commodities vinham obtendo. Para aumentar a aura de um drama de Hollywood, Rich surgiu como o misterioso proprietário de uma participação de 50% no estúdio de cinema 20th Century Fox. Nasce a imagem popular de um trader de commodities. Dentro da indústria de trading, o caso de Marc Rich seria internalizado como uma advertência de por que os traders de commodities deviam ficar fora dos olhos do público.

De todas as acusações dos promotores, a que condenou Rich no tribunal da opinião pública foram os acordos com o Irã no exato momento em que o governo revolucionário mantinha cidadãos norte-americanos como reféns. Mas o cerne do caso envolvia acordos que nada tinham a ver com o Irã. O foco era nas regulamentações pretensiosas do setor petrolífero dos EUA, segundo as quais o petróleo proveniente de novos campos poderia ser vendido a preços mais altos do que o petróleo dos campos mais antigos. Por meio de uma série de transações complexas, Rich e suas empresas evitaram o pagamento de impostos sobre uma renda de mais de US$100 milhões, alegava a acusação. Os promotores federais — primeiro Sandy Weinberg e posteriormente Rudy Giuliani, que mais tarde se tornaria prefeito de Nova York e advogado pessoal de Donald Trump — chamaram a acusação de o maior caso de fraude fiscal da história dos EUA. Rich enfrentaria até trezentos anos de prisão se fosse condenado em todas as acusações.

Os advogados de Rich contestaram a acusação, argumentando que se tratava de um caso fiscal civil, e não de uma questão criminal. Muitas outras empresas se envolveram em atividades semelhantes e pagaram multas pesadas, mas não foram acusadas de crimes. A Exxon, por exemplo, foi multada em US$895 milhões em 1983 por cobrar preços de “petróleo novo” pelo que era, de fato, “petróleo antigo”.
[222] A Atlantic Richfield, que fez alguns negócios com Marc Rich, fechou um acordo de US$315 milhões em 1986. Os advogados de Rich também argumentaram que, embora ele realmente negociasse com o Irã, estava fazendo isso em nome de uma empresa suíça — algo que, segundo eles, era permitido.

Mas seus protestos pouco importavam. A Marc Rich + Co acabou pagando cerca de US$200 milhões para resolver as acusações contra ela. Mas Rich e Green, como indivíduos, nunca se resolveram. Em vez de enfrentar o julgamento, eles fugiram do país para nunca mais voltar. Quando foram indiciados em 1983, eles abandonaram Nova York e se mudaram para Zug, onde o governo suíço ofereceu-lhes proteção.

Rich renunciou à nacionalidade norte-americana e obteve passaportes espanhóis e israelenses. Para muitos norte-americanos, isso por si só era um ato de traição.

No fim das contas, Rich e Green nunca enfrentaram a prisão ou qualquer penalidade financeira. Depois de quase duas décadas como fugitivos caçados em todo o mundo pela polícia federal dos EUA, eles foram perdoados pelo presidente Clinton em seu último ato antes de deixar o cargo em janeiro de 2001, graças a uma cuidadosa campanha de lobby que incluiu o primeiro-ministro de Israel e o rei da Espanha. O perdão desencadeou uma rara demonstração de consenso em Washington, com democratas e republicanos unidos na condenação do ato. Descobriu-se que a ex-esposa de Rich, Denise, foi uma das principais doadoras tanto para os democratas quanto para a Biblioteca Presidencial Clinton. O congressista Henry Waxman, democrata da Califórnia e tradicionalmente um apoiador de Clinton, chamou o perdão de um “lapso vergonhoso de julgamento que deve ser reconhecido, pois ignorá-lo trairia um princípio básico de justiça”.

Rich emergiu como um homem livre, mas duas décadas como fugitivo da justiça norte-americana haviam deixado sua marca. O trader que gostava de conquistar o mundo estava há anos confinado a apenas um punhado de países, e passava o tempo indo e voltando entre casas na Suíça, Espanha e Israel. Rich, o eterno forasteiro, tornou-se defensivo, amargurado e desconfiado.

Seu negócio, no entanto, prosperou — como mostram os acordos na Jamaica, África do Sul, Burundi e Angola. Em um mundo dividido pela Guerra Fria e por embargos políticos, ele pegou o modelo de trading de commodities que aprendeu na Philipp Brothers e tornou-o mais agressivo e global, ficando mais disposto a arriscar cair no fio da navalha. Ele estava preparado para colocar mais capital de sua empresa para operar em países complicados, corruptos e economicamente fragilizados no processo de se tornar um pioneiro em investimentos nos mercados emergentes. A Marc Rich + Co adicionou a agricultura aos metais e petróleo e se tornou o líder indiscutível no trading global de commodities. Ela também continuou a fazer negócios nos EUA por meio de uma afiliada administrada por Willy Strothotte e de propriedade oficial do parceiro de Rich, Alec Hackel.

O resto dos traders de commodities foram forçados ou a seguir seu estilo ou desistir de tentar fazer negócios em países onde a Marc Rich + Co era dominante. A mudança foi tamanha que até a alma mater de Rich, a Philipp Brothers, passou por momentos difíceis.

Mais mudanças estavam chegando à indústria, no entanto, e desta vez elas não seriam conduzidas por Marc Rich. À medida que o controle dos recursos naturais se libertava das garras dos grandes produtores, os mercados financeiros de commodities se expandiam e se tornavam mais frenéticos. E à medida que o lado financeiro dos mercados foi se tornando mais importante, um tipo diferente de trader começou a dominar a indústria de commodities — um que não se parecia em nada com Marc Rich e sua geração.

Cap. 4

Barris de Papel

“Tanques iraquianos na cidade do Kuwait!”, disse a voz.

Agora Hall estava bem desperto. Como chefe de uma das maiores traders de petróleo do mundo, ele apostou milhões de dólares do dinheiro de sua empresa — e possivelmente sua carreira — em uma previsão de que os preços do petróleo subiriam. A guerra entre o Iraque e o Kuwait, que controlavam, ambos, 20% das reservas mundiais de petróleo, quase certamente justificaria sua aposta.

“E o que o mercado está fazendo?”, perguntou Hall. A resposta veio: “Todos são compradores. Sem vendedores.”

Hall não era dado a demonstrações de emoção. Mas a importância da notícia não passou despercebida para ele. De uma só vez, o seu negócio renderia centenas de milhões de dólares em lucros para a Phibro Energy, a unidade de trading de petróleo da Philipp Brothers que ele dirigia.

Era a madrugada de 2 de agosto de 1990. Quatro divisões da Guarda Republicana Iraquiana, as forças de elite do país, que se reportavam diretamente a Saddam Hussein, invadiram o vizinho Kuwait. Dois dias depois, eles conquistaram o controle do emirado.

Em menos de 48 horas, Saddam Hussein assumiu o controle da quarta maior reserva de petróleo do mundo e uma parte significativa de sua produção. O Conselho de Segurança da ONU respondeu impondo um embargo de “todas as commodities” ao Iraque.

O mercado de petróleo reagiu exatamente como Hall havia previsto. No início daquela manhã em Nova York, o preço de um tipo de petróleo amplamente utilizado, o petróleo Brent, havia subido 15%. Em três meses, o valor dobrou, atingindo um pico acima de US$40 o barril. Foi a maior crise do petróleo desde 1979.

Para a Phibro Energy e Andy Hall, a Guerra do Golfo serviu como um enorme salário. No espaço de algumas semanas, a aposta do preço do petróleo de Hall rendeu lucros entre US$600 e US$800 milhões. Foi uma negociação que combinou visão geopolítica e conhecimento de mercado, aproveitando uma série de novos instrumentos financeiros que vinham sendo usados no mercado de petróleo. Após dedução, a Phibro Energy registrou um impressionante lucro de US$492 milhões no ano.

O mercado de petróleo evoluiu desde as crises da década de 1970, e traders como Andy Hall estavam em ascensão. Intenso e ponderado, Hall preferia analisar cuidadosamente o mercado desde sua base em Connecticut a voar de um país africano para outro. Ele torcia o nariz para os estilos de negociação de nomes como Marc Rich e John Deuss, que fizeram fortuna por meio de redes de relacionamentos em nações ricas em petróleo.

Agora, uma mudança estava ocorrendo na forma como o preço do petróleo era fixado. E, desta vez, foram Hall e seu grupo que conduziram a mudança, graças ao admirável mundo novo dos mercados futuros e de opções.

Esses novos produtos financeiros serviram para reduzir o risco, permitindo que os traders apostassem no preço de barris de petróleo virtuais. Agora, os traders poderiam fixar os preços para seus negócios físicos de petróleo e, assim, perseguir contratos muito maiores sem ter que se preocupar que um movimento adverso de preços pudesse levá-los à falência. Mas mercados futuros e de opções também permitiam especulações: nunca foi tão fácil tentar a sorte no mercado de petróleo.

“Foi realmente a criação dos mercados de derivativos pelos Wall Streeters fazendo vendas para usuários finais, companhias aéreas, consumidores de combustível marítimo, etc., que começou então a adicionar um impulso extra aos mercados”, diz Colin Bryce, trader de petróleo da Morgan Stanley de 1987 em diante, e que passou a administrar os negócios de commodities do banco. “Esse era o jogo dos anos 1990.”

Esta financeirização do mercado petrolífero fez surgir uma nova forma de fazer negócios. Os figurões de Wall Street já haviam revolucionado os mercados de hipotecas e títulos de alto risco e, no final da década de 1980, voltaram sua atenção para o mercado de petróleo. Com novos instrumentos financeiros à disposição, eles abriram o mercado para uma série de novos participantes, que, por sua vez, não tinham a intenção de ver um barril de petróleo bruto real; em vez disso, eles estavam satisfeitos em comprar e vender quantidades fictícias daqueles que logo foram apelidados de “barris de papel”. Isso incluía investidores financeiros, como os fundos de pensão, e usuários de petróleo, como as companhias aéreas e de navegação, que procuravam se proteger contra um aumento nos preços do petróleo.

Foi aí que surgiram os mercados futuros e de opções e outros produtos financeiros semelhantes. Mas, na realidade, eles traziam poucas novidades. Os traders de cobre e estanho compravam e vendiam futuros na London Metal Exchange há um século, assim como os traders de grãos da Junta Comercial de Chicago e de outros lugares. Corretoras de arroz no Japão negociavam futuros desde 1697, dando início ao que se acredita ser a primeira bolsa de futuros do mundo. Para o petróleo, porém, esse mercado não existiu até a década de 1980.

Um contrato futuro de commodities é, como o próprio nome sugere, um
contrato para a entrega de uma mercadoria em algum momento no futuro. A
criação de mercados futuros abriu um novo leque de possibilidades para os
traders de petróleo: eles não estavam mais restritos à compra e venda de
petróleo à vista, mas também podiam comprar e vender petróleo para
entrega em algumas semanas, meses ou anos. Quem compra um contrato
futuro e o mantém até o vencimento recebe uma parcela das commodities;
por outro lado, quem vende um contrato futuro deve, no vencimento,
entregar as mercadorias. Uma vez que os mercados futuros de petróleo
surgiram, os traders podiam usar contratos futuros para comprar ou vender
seu petróleo com muitos meses de antecedência. Mas o uso desses novos
instrumentos foi muito mais amplo do que isso. A maioria das pessoas não
os mantinha até o vencimento — em vez disso, compravam e vendiam
futuros da mesma forma que comprariam e venderiam os barris de petróleo.
Os futuros permitiam que os traders (e qualquer outra pessoa) apostassem
na direção do mercado sem ter que tocar em um barril físico de petróleo.
Por isso a conversa sobre “barris de papel”

Os futuros serviam para várias funções: alguns os usavam para especular, outros para assegurar — ou “cobrir” — sua exposição ao preço do petróleo. Digamos que um trader comprou um carregamento de petróleo e planeja vendê-lo um mês depois. Em vez de suportar uma espera agonizante ao longo do mês, esperando que o preço do petróleo subisse, o trader poderia travar imediatamente um preço conhecido vendendo contratos futuros. Se o preço do petróleo caísse, o valor dos contratos futuros que ele vendeu também cairia, e o trader poderia comprá-los de volta a um preço reduzido. Se o preço do petróleo subisse, o trader perderia dinheiro nos contratos futuros, mas ganharia a mesma quantia de dinheiro com o aumento do valor da carga física de petróleo. De uma forma ou de outra, o uso dos mercados futuros permitiu ao trader travar o preço do petróleo, reduzindo os riscos.

Os mercados de opções ofereciam uma flexibilidade ainda maior. Por uma taxa — um “bônus” —, eles davam ao trader a escolha, mas não a obrigação, de comprar ou vender um contrato futuro a um preço e tempo predeterminados. Juntos, os mercados futuros e de opções são chamados de derivativos, porque seu valor deriva do valor de uma commodity subjacente.

Para o mercado de petróleo, o advento dos derivativos foi uma transformação radical. Os primeiros traders de petróleo, como Theodor Weisser e Marc Rich, não conseguiram assegurar seus negócios contra movimentações nos preços. Se eles comprassem petróleo em um dia e o preço despencasse no dia seguinte, eles ficariam na corda bamba com essa queda. Isso, é claro, não era um problema quando os preços eram fixados. Mas as crises do petróleo da década de 1970 haviam transformado o trading de petróleo em um negócio arriscado.

Isso mudou na década de 1980, e tudo graças a outra commodity: a humilde batata norte-americana. Por mais de um século, os derivativos de commodities foram negociados na Bolsa Mercantil de Nova York (Nymex), onde os polos de comércio irrompiam em gritarias frenéticas e os traders tinham a reputação de terem um comportamento desprezível. Na década de 1970, enquanto traders como Marc Rich e John Deuss faziam fortuna comprando e vendendo petróleo, os operadores da Nymex estavam obcecados por mercados futuros de batata. O tubérculo foi de longe o contrato mais popular da bolsa. Mas, em maio de 1976, os traders da Nymex não cumpriram suas obrigações naquela que foi, até então, a maior inadimplência de todos os tempos em futuros de commodities. Para a Nymex, foi um desastre; a bolsa estava beirando a ruína. Desesperado para continuar de pé, o conselho de administração da bolsa analisou outras commodities para substituir as batatas como seu principal contrato de derivativos. Depois de muito debate, eles decidiram tentar a sorte com o petróleo.

Derivativos de petróleo não eram uma completa novidade: mercados futuros e de opções já existiam um século antes, nos anos após o início da produção comercial de petróleo nos EUA, em 1859. Por um breve período, os futuros de petróleo foram negociados em pelo menos vinte bolsas nos EUA. Mas o mercado primitivo de derivados de petróleo — como o spot trading de petróleo físico — chegou ao fim quando Rockefeller ganhou o controle da indústria.

Em 30 de março de 1983, a Nymex reinventou o mercado com o lançamento de seu contrato futuro de petróleo leve e doce — ou seja, de baixa densidade e com baixos níveis de enxofre — baseado no petróleo da West Texas Intermediate entregue em Cushing, Oklahoma, onde a Atlantic Richfield (hoje parte da BP) tinha um grande centro de armazenamento.

Pela primeira vez na era contemporânea, os traders de petróleo conseguiam cobrir suas transações. O impacto foi enorme: de repente, os traders podiam lidar com volumes muito maiores sem arriscar tudo. E a existência de mercados futuros abriu um novo conjunto de possibilidades, principalmente para aqueles com um pé tanto no mundo físico quanto no financeiro. O cassino de Wall Street penetrou no mundo do petróleo. E não havia ninguém melhor equipado para lucrar com esse choque de culturas do que Andy Hall.

Hall aprendera seu ofício na gigante petrolífera British Petroleum, no momento em que o poder dela e de suas companheiras Sete Irmãs estava diminuindo. Ele ingressou na empresa em um esquema de aprendizado enquanto ainda estava na escola. A BP o patrocinou para ir para a Universidade de Oxford e, em seguida, quando formado, ofereceu-lhe um emprego, ao mesmo tempo que a primeira crise do petróleo estourou, em 1973.

Logo, ele estava trabalhando no centro nevrálgico da empresa: a unidade de agendamento, que decidia onde cada barril bombeado pela BP iria parar. Era uma operação gigantesca: a BP, antiga Anglo-Persian Oil Company, estava bombeando cerca de 5 milhões de barris por dia, grande parte vindo dos campos que controlava no Irã. Mas não havia negociações. O trabalho do departamento de agendamento era organizar para que o óleo da BP fosse refinado nas refinarias da BP e, a partir daí, vendido nos postos de combustível da BP.

A companhia petrolífera britânica logo seria forçada a mudar, no entanto, quando a Revolução Iraniana de 1979 a despojou de grande parte de sua produção de petróleo. Hall foi enviado para Nova York para começar a comprar e vender petróleo para a empresa. Inicialmente, ele estava apenas negociando petróleo para a própria cadeia de suprimentos da BP; mas ele logo desenvolveu um gosto pelo trading. Se ele visse um carregamento de petróleo que lhe parecesse barato, ele o compraria, independentemente de a BP precisar dele ou não, e tentaria revendê-lo para outra pessoa com uma margem de lucro. Até então, o trading com terceiros era considerado, dentro da BP e de outras empresas petrolíferas integradas, como abaixo delas. Mas Hall não tinha tempo para esse tipo de ortodoxia. “Basicamente começamos a negociar petróleo como loucos”, lembra ele.

O apetite por risco do jovem trader britânico logo chamou a atenção das principais trading houses da época, com a Philipp Brothers e a Marc Rich + Co oferecendo-lhe um emprego quase simultaneamente. Em 1982, ele ingressou na Philipp Brothers e, em menos de cinco anos, já administrava a divisão de petróleo, então renomeada como Phibro Energy. A primeira Guerra do Golfo consolidaria sua reputação como o trader de petróleo mais bem-sucedido de sua geração. Daí em diante, ele ganharia centenas de milhões de dólares depois de prever corretamente a ascensão da China, o que lhe rendeu um envelope de pagamento pessoal de mais de US$100 milhões e o apelido de “Deus”, em 2008.

Na BP, e mais tarde na Phibro, Hall desenvolveu o estilo de trading pelo qual se tornaria famoso: calculando assiduamente os fatores políticos e econômicos que impulsionariam o mercado de petróleo, fazendo apostas de alto risco e esperando com nervos de aço para provar que estava certo. “Não somos como essas outras firmas de Wall Street que ficam vasculhando por moedas, tentando tapear e escalpelar pessoas”, disse Hall a um entrevistador em 1991. “Enquanto nossas análises forem válidas, manteremos nossas posições.”

Hall havia abordado seu trade de sucesso em 1990 com uma convicção característica. Embora já fosse conhecido entre outros traders de petróleo como um otimista do mercado, sempre preferindo apostar no aumento do preço do petróleo, no início de 1990, Hall estava convencido de que o mercado de petróleo estava superabastecido. Isso não era nenhuma revelação para quem acompanhava os meandros do mercado: o petróleo não estava sendo vendido e os tanques de armazenamento estavam enchendo. No início do ano, os estoques de petróleo bruto nos países ricos que eram membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) atingiram o nível mais alto desde 1982.

A essa altura, os preços do petróleo, que na primeira metade da década de 1980 estavam em uma média de mais de US$30 o barril, estavam abaixo de US$20 (veja o gráfico no Apêndice iv), e as nações ricas em petróleo da OPEP estavam sentindo o aperto. Uma por uma, elas começaram a trapacear nas cotas de produção que haviam acordado com o resto da OPEP, na esperança de roubar alguns barris extras de produção e ganhar alguns dólares extras de receita. O efeito disso foi empurrar os preços ainda mais para baixo. Entre todos os membros da OPEP, o Iraque era um dos que mais precisava que os preços do petróleo subissem. Bagdá acabara de sair de uma longa guerra contra o Irã, praticamente falida. O país enfrentou uma custosa reconstrução e o pagamento de cerca de US$40 bilhões em empréstimos, com uma parcela significativa devida a vizinhos como Kuwait, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Com o petróleo abaixo de US$20 o barril, Saddam Hussein tinha pouco dinheiro para pagar as dívidas de seu país. Em meados de 1990, ele disse a diplomatas que poderia ser forçado a parar de pagar pensões aos veteranos da guerra iraquiana.

Se o Iraque era o país que mais precisava de um aumento nos preços, o Kuwait era o trapaceiro mais notório entre os membros da OPEP. No início do ano, o emirado começou discretamente a oferecer descontos a algumas refinarias que comprassem barris extras. Ignorando os compromissos com a OPEP, o país esperava compensar a queda nas receitas do petróleo aumentando a produção. A Phibro Energy, que possuía quatro refinarias, logo soube do que o Kuwait estava fazendo: isso apenas reforçou a convicção de Hall de que os preços do petróleo estavam caindo. O excesso
de oferta resultou exatamente nessa queda. Mas os contratos futuros para entrega de petróleo em seis meses não caíram tão rápido. A divergência de preços criou uma oportunidade para um trader criativo, e a Phibro Energy já há anos era uma das principais inovadoras do crescente universo de contratos financeiros de petróleo. Hall percebeu que poderia lucrar simplesmente comprando um barril de petróleo, armazenando-o e revendendo-o seis meses depois. No passado, uma negociação como essa teria sido uma aposta arriscada, envolvendo seis meses de uma esperança ansiosa de que o preço do petróleo seguiria o caminho desejado. Mas a chegada dos mercados futuros em meados da década de 1980 mudou esse cenário. Na primavera de 1990, Hall podia comprar um barril de petróleo e no mesmo dia fixar o preço pelo qual seria vendido seis meses depois, usando um contrato futuro. O lucro seria garantido.

O único problema foi encontrar um lugar para armazenar o petróleo. Os tanques onshore estavam transbordando. Assim, Hall decidiu contratar uma frota de petroleiros — chamados “transportadores de petróleo muito grandes”, ou VLCCs (do inglês, “very large crude carriers”) — e transformá-la em uma instalação flutuante de armazenamento de petróleo. Em vez de enviar petróleo bruto de um porto para outro, ele abasteceria os petroleiros e os deixaria parados em alto mar, pagando uma taxa de sobrestadia pelos dias em que estivessem ancorados. A ideia de armazenar petróleo no mar não era totalmente nova, mas nunca havia sido feita nesta escala antes, como parte de uma jogada de um trader independente. “Éramos grandes afretadores de petroleiros”, lembra Hall. “Então, eu disse para os nossos caras de fretamento: ‘Ei, vocês poderiam fretar um VLCC e conseguir a opção de colocá-lo em demurrage por seis meses?’ Um deles me respondeu algo como: ‘Por que você quer fazer isso?’ E eu disse a ele apenas que fizesse a solicitação. ‘Claro’. Quando ele voltou, disse ‘Nós podemos fazer isso.’”

Hall começou a colocar o trade em prática em grande escala. Ele contratou mais de uma dúzia de VLCCs, cada um capaz de armazenar cerca de 2 milhões de barris de petróleo. Como estava comprando petróleo, ele vendeu contratos futuros mais caros, o que, na prática, lhe assegurava o lucro. Tudo o que ele precisava era de crédito suficiente para poder comprar o petróleo e mantê-lo por pelo menos seis meses. Mas isso não foi um problema — a Phibro Energy fazia parte, desde 1981, da Salomon Brothers, resultado de uma fusão traumática que definiu todo o negócio durante boa
parte da década de 1980. Como resultado, Hall teve acesso a uma das maiores linhas de crédito de Wall Street. No auge, ele possuía petróleo no valor de cerca de US$600 milhões, mais do que 37 milhões de barris no preço do dia. Hall estava usando tanto dinheiro para o negócio que John Gutfreund, o chefe da Salomon Brothers, que tradicionalmente tinha pouco interesse no dia a dia dos negócios de petróleo, telefonou para perguntar o que estava acontecendo.

Ele logo se tranquilizou. Era um negócio perfeito: com o preço travado no mercado futuro, a Phibro Energy ganharia dinheiro com a negociação independente do que acontecesse com o preço do petróleo.

O preço do petróleo não ficou no marasmo por muito mais tempo. No final de junho, Saddam Hussein acusou abertamente o Kuwait de bombear muito petróleo e ameaçou resolver o assunto de uma forma ou de outra. Nas semanas seguintes, sua retórica tornou-se mais belicosa. “Os iraquianos não esquecerão o ditado de que cortar gargantas é melhor do que cortar meios de subsistência”, disse ele em meados de julho. “Ó, Deus Todo-poderoso, seja testemunha de que nós os advertimos. Se as palavras falharem em proteger os iraquianos, algo concreto deverá ser feito para devolver as coisas ao curso natural e devolver os direitos usurpados aos seus proprietários.”

Em Connecticut, Hall estava lendo as palavras do líder iraquiano no New York Times. Ele logo decidiu que o risco de guerra no Oriente Médio era grande demais para ser ignorado. Em um movimento ousado, decidiu comprar de volta uma parte de suas coberturas sobre o petróleo que havia armazenado em navios-tanque. Ao fazer isso, ele assumiu um grande risco. Daquele ponto em diante, a Phibro Energy ficou sem cobertura — “nua”, na linguagem dos traders — e exposta a qualquer coisa que pudesse acontecer a seguir no mercado de petróleo. Era uma aposta antiquada, mas uma que não teria sido possível sem a nova realidade dos futuros. Hall havia usado o mercado de derivativos para acumular uma grande quantidade de petróleo sem correr nenhum risco; então, em um piscar de olhos, ele a transformou em uma grande aposta de que os preços subiriam. Se os preços caíssem, o prejuízo seria significativo.

Mas os acontecimentos no Golfo Pérsico caminhavam inexoravelmente em direção à guerra. Em 1º de agosto, as negociações mediadas pela Arábia Saudita entre o Iraque e o Kuwait falharam, com o Kuwait se recusando a aceitar uma longa lista de demandas de Bagdá. No dia seguinte, a Guarda Republicana do Iraque cruzou a fronteira para o Kuwait, apoiada por dezenas de helicópteros e tanques. Os petroleiros de Hall se transformaram em caixas eletrônicos. Ele havia comprado o petróleo a menos de US$20 o barril. Três meses depois, os mesmos barris estavam trocando de mãos a mais de US$40 cada, quando o fornecimento de petróleo do Kuwait e do Iraque ao mercado mundial parou. A aposta de Hall na alta dos preços valeu a pena. Mas isso não era tudo: mesmo o resto de sua frota de petróleo, a parte que permaneceu coberta, gerou grandes lucros. Enquanto o preço spot do petróleo disparou com a invasão do Kuwait, o preço dos futuros para entrega em seis meses subiu menos. Em junho, o preço spot do barril de petróleo estava sendo negociado US$2 abaixo do preço dos futuros para entrega em seis meses; em outubro, estava sendo negociado US$8 acima dos futuros. Hall havia garantido um lucro modesto usando futuros para cobrir os preços; agora, ele poderia obter um lucro muito maior vendendo seu petróleo no mercado spot e recomprando os hedges a um preço mais baixo. O dinheiro estava entrando.

“Nós ganhamos US$600, US$700, US$800 milhões”, afirma Hall. O trade, no entanto, não havia acabado. O conflito se arrastou ao longo de 1990, e os traders de petróleo do mundo acompanharam cada reviravolta em tempo real na CNN. Oscar Wyatt, um trader da Coastal Petroleum, aproximou-se significativamente dos acontecimentos, usando seu relacionamento pessoal com Saddam Hussein para garantir a libertação de duas dúzias de reféns norte-americanos. Wyatt, um texano implacável, que comprava petróleo iraquiano desde 1972, voou para Bagdá em dezembro de 1990 — apesar de um pedido direto da Casa Branca para que não o fizesse — e persuadiu Saddam a permitir que ele levasse de volta aos EUA esse grupo de norte-americanos que foram mantidos no Iraque como escudos humanos.

Os EUA estavam se aproximando da guerra, e Hall permaneceu otimista. Em janeiro de 1991, os EUA finalmente lançaram a Operação Tempestade no Deserto com uma campanha de bombardeio avassaladora para libertar o Kuwait.

Para o mercado de petróleo, aquilo foi um anticlímax. O mercado havia se preparado para uma guerra prolongada e mais interrupções no fornecimento global de petróleo. Mas enquanto os traders de petróleo observavam Bagdá responder ao ataque dos EUA com alguns mísseis Scud, que causaram danos limitados, eles perceberam que os EUA rapidamente dominariam o Iraque. Ao mesmo tempo, Washington abriu suas reservas estratégicas de petróleo, vendendo milhões de barris.

A reação do mercado foi imediata e brutal. Em menos de 24 horas, o petróleo Brent caiu em quase 35%. Foi a maior liquidação de um dia que o mercado de petróleo já viu. Em uma única noite de janeiro de 1991, Hall perdeu US$100 milhões. Depois de uma bonança no ano anterior, a Phibro Energy encerrou 1991 no vermelho.

A financeirização do mercado de petróleo, com a chegada de futuros, opções e outros contratos de derivativos que Hall havia explorado com maestria durante a primeira Guerra do Golfo, abriu todo tipo de novas possibilidades para os traders. Isso logo provocou uma troca da guarda na indústria de commodities. Alguns traders de energia da velha guarda optaram pelo negócio de petróleo que já conheciam, comprando e vendendo cargas físicas de petróleo e tentando lucrar com a diferença. Mas outros viram oportunidades de negociação melhores nos mercados financeiros recém-criados. Nunca foi tão fácil apostar no próximo movimento do mercado de petróleo. Perder US$100 milhões em uma única noite era algo impensável na década de 1970. Duas décadas depois, era uma possibilidade concreta.

Os traders das décadas de 1960 e 1970, que aprenderam sobre o negócio nas salas de correspondência e cresceram imitando os modos bucaneiros de Marc Rich e John Deuss, agora se juntavam a uma nova geração de garotos prodígios da matemática que eram fluentes na linguagem de Wall Street. As trading houses estavam cada vez mais divididas entre aqueles que se especializavam em “desenvolvimento de negócios”, que voavam para países distantes para beber vinho e jantar com poderosos barões locais do petróleo, e aqueles que se chamavam de “traders”, colados em telefones e telas de computador, comprando e vendendo contratos financeiros para ganhar dinheiro com os negócios físicos trazidos pelos desenvolvedores de negócios.

Não foram apenas as ferramentas de Wall Street que chegaram ao mercado de petróleo: os bancos de Wall Street também começaram a negociar a commodity. Com financiamentos baratos e fluência na nova linguagem financeira do petróleo, bancos como Goldman Sachs e Morgan Stanley rapidamente se tornaram grandes traders de petróleo, sendo apelidados de “refinadores de Wall Street”. A nova geração de traders de petróleo utilizava as informações adquiridas nos mercados físicos para fazer grandes apostas financeiras, ou os mercados financeiros para possibilitar novos tipos de jogadas no mercado físico. Traders como Andy Hall, da Phibro Energy; Stephen Semlitz e Stephen Hendel, da Goldman Sachs; e Neal Shear e John Shapiro, da Morgan Stanley, tornaram-se especialistas em dançar entre os mundos físico e financeiro e lucrar com isso.

As trading houses da velha guarda lutaram para se adaptar a esses tempos de mudança. O dinheiro fácil da década de 1970 atraiu uma onda de novos jogadores para os mercados. Agora, a competição entre os traders era intensa, e poucas das empresas mais antigas eram capazes de competir por escala com os recém-chegados de Wall Street, que podiam recorrer a grandes somas de capital para seus traders.

Era uma dinâmica que se desenrolava no microcosmo de uma das mais célebres trading houses de commodities, ironicamente aquela na qual Andy Hall estava trabalhando — a Philipp Brothers. Ao longo da década de 1980, a venerável e antiga empresa foi mastigada e cuspida por um banco que simbolizava a cultura livre de Wall Street.

A Philipp Brothers atingiu o apogeu em 1979 e 1980, andando na montanha-russa do mercado de petróleo e nas costas da Revolução Iraniana. Os lucros da empresa em 1979 e 1980 totalizaram mais de US$1bilhão. A BusinessWeek fez o perfil da empresa em setembro de 1979, com uma foto de Jesselson na capa da revista ao lado da manchete: “Um supertrader de US$9 bilhões que a maioria das pessoas nunca ouviu falar”. No artigo, Jesselson, então diretor da empresa, e David Tendler, seu sucessor ungido e presidente, se gabavam do alcance global da empresa e de suas proezas inigualáveis.

Os lucros superdimensionados mascaravam um dilema, no entanto. “A preocupação que nós começamos a ter, e que eu comecei a ter, era que os dias bons não poderiam continuar. Precisávamos de outra coisa”, lembra Tendler. Os altos preços da energia mergulharam os EUA e a maior parte da Europa em uma recessão. “A crise do petróleo foi boa para o negócio do petróleo. Mas e quanto a todo o resto?”

Tendler e Jesselson decidiram que a Philipp Brothers deveria se diversificar com uma nova commodity: dinheiro. Tendler soube que os sócios do Salomon Brothers, o maior banco de investimento privado dos Estados Unidos, estavam procurando levantar capital. Rapidamente, os dois lados concordaram que a Philipp Brothers assumiria o Salomon e criaria uma nova potência chamada Phibro-Salomon. A fusão, anunciada em 3 de agosto de 1981, surpreendeu o mundo financeiro. O Financial Times chamou a empresa de “a nova força mundial de Wall Street”. Tendler dirigiria a nova empresa, com John Gutfreund, o abrasivo e ambicioso chefe do Salomon, como número dois.

Os casamentos corporativos muitas vezes terminam mal, e o período de lua de mel para os traders de commodities da Philipp Brothers e os traders de títulos do Salomon foi lamentavelmente curto. Já no momento da fusão, o tradicional negócio de trading de metais da Philipp Brothers vinha enfrentando uma queda na lucratividade. Por outro lado, os banqueiros do Salomon estavam lucrando graças a um boom no trading de títulos. Em uma época em que todos os mercados, incluindo o de commodities, estavam sendo transformados pelo desenvolvimento de novos instrumentos financeiros, os traders da Philipp Brothers não conseguiam  acompanhar o ritmo dos colegas do Salomon.

No final de 1983, Gutfreund foi promovido a co-CEO. Alguns meses depois, a Phibro-Salomon dividiu o negócio de trading de commodities em dois: a antiga Philipp Brothers lidaria com metais, e uma nova divisão chamada Phibro Energy se concentraria em petróleo. Tom O’Malley, o homem que havia substituído Marc Rich em 1974 como chefe de petróleo, tornou-se o chefe da nova unidade, que se mudou de Nova York, onde os outros traders de commodities estavam baseados, para Greenwich, Connecticut. Tecnicamente, Tendler era o chefe, mas a verdade é que O’Malley podia fazer o que bem entendesse.

O negócio de metais da Philipp Brothers continuou em declínio. Após uma tentativa frustrada de desmembrar a unidade de metais, Tendler deixou a empresa em outubro de 1984. Logo depois, a Phibro-Salomon foi renomeada simplesmente como Salomon. Incapaz de evoluir com os mercados, a divisão de metais, na qual Marc Rich aprendera o negócio, foi se tornando uma força cada vez menos potente no mercado. Em 1990, ela finalmente teve uma morte ignominiosa, quando a Marc Rich + Co comprou o que restava de seus contratos de metais.

O negócio do petróleo, no entanto, prosperou. Quando O’Malley saiu em 1986, Hall, após um breve interlúdio, tornou-se o chefe da Phibro Energy. Ele ampliou o alcance da empresa, negociando mais de 1 milhão de barris por dia no mercado físico, investindo em refinarias e campos de petróleo e, acima de tudo, abraçando futuros e opções. Ao fazê-lo, ele perscrutou os mundos do trading físico e das altas finanças — não apenas transportando petróleo ao redor do mundo, mas também executando negócios de derivativos em nome de companhias aéreas e investidores — e, assim, garantiu que pelo menos uma parte da histórica trading house prosperasse no cenário já transformado do trading de petróleo.

A Philipp Brothers não era a única com dificuldades no mercado do final dos anos 1980 e início dos anos 1990. A financeirização do mercado de petróleo tornou a vida mais difícil para todas as trading houses que cresceram em uma época anterior. Já não bastava ter boas ligações com alguns ministros da OPEP ou funcionários de uma estatal de petróleo. O sucesso neste novo ambiente exigia uma combinação de relacionamentos, grandes recursos, alcance geográfico e o know-how financeiro necessário para se utilizar os novos mercados de derivativos. A chegada de bancos bem capitalizados de Wall Street significou que os traders que dominaram o mercado na década de 1970 não eram mais capazes de fazê-lo. Alguns não se adaptaram e saíram do mercado. Outros tentaram abraçar os mercados futuros e de opções, o que levou a consequências catastróficas.

Nenhum desses colapsos marcou mais o fim de uma era do que a da Transworld Oil, a empresa de John Deuss, que foi um dos garotos propaganda da década de 1970 junto com Marc Rich. Entre 1987 e 1988, o holandês tentou fechar um dos acordos mais audaciosos que o mercado de petróleo já havia visto. Era um plano típico de Deuss, combinando suas conexões políticas inigualáveis com seu poder financeiro no mercado de petróleo.

O palco para o trade de Deuss era o mercado de petróleo Brent.

O campo petrolífero de Brent, a cerca de 190 quilômetros das ilhas Shetland e a uma profundidade de aproximadamente 140 metros, começou a bombear petróleo em 1976, tornando-se rapidamente o padrão de excelência para os traders de petróleo. Em seus primeiros dias, o Brent serviu como uma maneira inteligente de os produtores de petróleo do Mar do Norte, como a BP e a Shell, reduzirem a fatura de seus impostos. As empresas cronometravam quando comprar e vender cargas, de forma a mostrar às autoridades britânicas preços de venda mais baixos do que seriam de outra forma — processo que ficou conhecido como tax spinning.

Em meados da década de 1980, o campo de Brent, operado pela Shell, juntamente com vários outros que alimentavam seu sistema de oleodutos, bombeava petróleo suficiente a cada mês para encher cerca de 45 navios tanque, cada um carregando em torno de 600 mil barris. A essa altura, o Brent também havia se tornado uma referência global: outras variedades de petróleo do Oriente Médio, Rússia, África e América Latina eram precificadas de acordo com o custo do petróleo no Mar do Norte. Além disso, o mercado físico sustentou várias camadas de derivativos  financeiros, incluindo, a partir de 1988, um contrato futuro de petróleo na International Petroleum Exchange, em Londres. Se um trader pudesse influenciar o preço do Brent, os efeitos seriam sentidos em todo o mundo. E o preço do Brent era particularmente vulnerável a pressões.

O número relativamente pequeno de cargas mensais significava que qualquer parte que conquistasse o controle da maioria delas poderia ditar os termos para o resto do mercado. O mercado físico era — e ainda é — quase totalmente não regulamentado, e não havia um limite legal para quantas cargas um trader poderia comprar.

A partir do verão de 1987, quando a produção do Mar do Norte caiu à medida que as companhias petrolíferas realizavam manutenções em suas plataformas offshore, Deuss começou a comprar todas as cargas em que pudesse colocar as mãos. Mike Loya, um dos principais traders de Deuss em Londres, recolheu todos — exceto um — os 42 contratos para entrega de petróleo Brent em janeiro, o que elevou os preços. Foi uma jogada ousada, mesmo para os padrões do mercado implacável do Mar do Norte na década de 1980. Um de seus capangas lembra que Deuss não estava satisfeito em simplesmente dominar o mercado de Brent — ele queria dominar todo o mercado global de petróleo.

Em seguida, Deuss tentou engendrar um acordo geopolítico sem precedentes: um acordo entre produtores da OPEP e não OPEP para reduzir a produção. O pacto teria causado um aumento vertiginoso nos preços — tornando Deuss ainda mais incrivelmente rico. As negociações entre a OPEP e não OPEP foram lideradas por Omã e pelos Emirados Árabes Unidos — ambas nações com as quais Deuss tinha contatos profundos. Deuss também estava ao telefone com os ministros da OPEP, aconselhando os sobre o que fazer e quando, e como vazar suas intenções para o mercado.

Mas o plano para uma “OPEP Mundial”, como o Wall Street Journal chamou o projeto, fracassou depois que a Arábia Saudita o vetou. No mercado de Brent, a Shell e outros traders uniram forças para quebrar o monopólio de Deuss. Em vez de alcançar preços crescentes e vastos lucros, Deuss foi forçado a recuar, perdendo cerca de US$600 milhões quando os preços do petróleo caíram. A Transworld Oil só conseguiu sobreviver vendendo seu valioso império de refino norte-americano para a Sun (hoje Sunoco) por US$513 milhões.

O fracasso da empreitada foi um ponto de inflexão para Deuss e para o mercado de petróleo. O trader de petróleo mais ultrajante de sua geração continuaria negociando ao longo da década de 1990, mas a Transworld Oil nunca recuperaria a ostentação e o domínio de que já havia desfrutado uma vez. Um após o outro, a velha guarda da indústria de trading de commodities estava sendo substituída por uma nova geração de traders, a exemplo de Andy Hall, capazes de se manter no mercado físico de petróleo, mas também versados no novo mundo de futuros e opções.

Em breve, os problemas também chegariam à porta do maior rival de Deuss, Marc Rich.

Cap. 5

A Queda de Marc Rich

A cidade suíça de Zug é um cenário que evoca tranquilidade. De seu centro histórico medieval, as ruas de paralelepípedos descem até as águas tranquilas de um lago alpino. A cidade, que possui algumas das taxas de imposto corporativo mais baixas do mundo, atrai traders de commodities desde a década de 1950, quando a Philipp Brothers abriu um escritório ali. Mas entre os escritórios quadrados você ainda pode vislumbrar as terras agrícolas, um legado das cerejeiras pelas quais a cidade era conhecida antes da chegada dos traders.

No final de 1992, no entanto, nem tudo estava tranquilo na Marc Rich + Co. Dentro do cubo de aço e vidro no centro de Zug, que era a sede do império comercial de Marc Rich, uma tempestade irrompia furiosamente. A trading de commodities mais proeminente do mundo estava ficando sem dinheiro. Todos os dias, os executivos responsáveis pelo departamento financeiro faziam ligações de emergência para tentar evitar o colapso da empresa.

No centro da tempestade estava a mesa de Zbynek Zak, um homem alto e aprumado, dotado de um bigode espesso e responsável por garantir que os traders de metais de Rich tivessem financiamento suficiente para negociar. “De onde mais podemos tirar dinheiro?”, perguntava Zak, com um desespero crescente. “Como vamos pagar as contas amanhã?”

Nascido na então Tchecoslováquia, Zak se mudou para a Alemanha como refugiado após a invasão soviética, em 1968. Depois de uma carreira como engenheiro, consultor e banqueiro, ele ingressou na trading house para ajudá-la com as finanças. E em 1992, apesar de todo o poder da Marc Rich + Co como trader dominante dos recursos naturais do mundo, suas finanças se encontravam em um estado cada vez mais delicado.

As operações de uma trader de commodities dependem enormemente dos bancos, que fornecem garantias e empréstimos que possibilitam a essas empresas comprar e vender com dinheiro emprestado. Todos os dias, suas exigências mudam, dependendo dos movimentos dos preços das commodities: se os preços sobem, a mesma carga de petróleo ou metais passa a custar mais; se eles caem, ela custa menos. O trabalho dos três especialistas em finanças da Marc Rich + Co era garantir que nenhum trader fosse forçado a vender uma carga de petróleo, metais ou grãos antes do desejável, já que a empresa não tinha condições de financiá-la.

Cada um deles tinha relações com bancos na Suíça, Londres e Nova York. Todos os dias as ligações se repetiam. Algum deles tinha algum crédito não utilizado em um de seus bancos? Um cliente estaria prestes a pagar por uma carga, liberando algum dinheiro? Eles teriam esquecido algum estoque de petróleo que poderiam hipotecar?

Apesar da total dependência da empresa em relação aos seus bancos, os financistas eram vistos como ternos deselegantes. Os traders eram as abelhas rainhas da organização: eram eles que faziam voos de arrepiar os cabelos para lugares assustadores com o intuito de negociar grandes acordos; aqueles que apostavam o capital da empresa nos mercados de commodities; e aqueles que levavam para casa os maiores bônus. Ao longo de sua existência, a Marc Rich + Co nunca teve um especialista em finanças no comitê executivo. Nos primeiros anos de sua vida, não tinha sequer um diretor financeiro — Pinky Green cuidava pessoalmente das relações com os bancos.

Já no início da década de 1990, os traders da Marc Rich + Co não estavam conseguindo cumprir com isso. Os lucros mundiais das décadas de 1970 e 1980 eram uma memória distante, e a empresa de trading de commodities mais poderosa do mundo havia sido invadida pela paranoia e apunhalada pelas costas.

Ao longo de 1992 e 1993, a batalha pelo futuro da empresa atingiria um clímax que mudaria para sempre o cenário do trading de commodities. Seria a mais recente rixa familiar na dinastia das traders dominantes, que começou com a Philipp Brothers e continuou com a Marc Rich + Co. Quando a poeira das disputas pela diretoria na Marc Rich + Co abaixou, dois novos membros da dinastia corporativa teriam nascido: Glencore e Trafigura.

Com efeito, a crise encerrou a carreira do próprio Marc Rich, coroando décadas no auge da indústria global de trading de commodities. O fim de seu período dominante marcou o ponto final de toda uma era do trading: os anos bucaneiros das décadas de 1970 e 1980, quando um trader de commodities com capital e ousadia suficientes podia se safar ignorando todas as regras e padrões de decência. Embora as gerações posteriores de traders continuassem a negociar nos moldes de Marc Rich, a indústria nunca mais passaria aquela sensação de intocabilidade.

Para os fundadores da Glencore e da Trafigura que emergiram dela, a crise que tomou conta da Marc Rich + Co em 1992 foi uma experiência formativa que viria a moldar toda a sua abordagem de trading — e, graças à influência que suas empresas teriam, todo o setor. Eles permaneceram graduados na escola de Rich, porém, marcados pela megalomania dos seus últimos dias, procuraram dividir a propriedade e o controle de suas empresas, forjando grupos muito unidos e que perdurariam por gerações.

Com o trader mais notório do mundo agora semiaposentado, seus sucessores aproveitaram a oportunidade para recuar para as sombras, transformando a indústria de trading de commodities em um reduto de sigilo. Ao se libertar do nome tóxico de seu fundador foragido, eles conseguiram se integrar melhor ao setor financeiro mais amplo — lançando as bases para um futuro no qual combinariam o espírito aventureiro de Marc Rich com o poder econômico de Wall Street.

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