A Lógica do Cisne Negro

Eventos raros e imprevisíveis, conhecidos como Cisnes Negros, possuem grande impacto e desafiam previsões tradicionais. Eles revelam limitações dos modelos probabilísticos e enfatizam a necessidade de aceitar incertezas. A preparação para o inesperado, a adoção de estratégias antifrágeis e a valorização do conhecimento prático são fundamentais para enfrentar tais eventos.

Nassim Nicholas Taleb

Sumário

Prólogo

Até a descoberta da Austrália, as pessoas doo Velho Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos, crença irrefutável confirmada de forma cabal por evidências empíricas. Avistar o primeiro cisne negro pode ter sido uma surpresa notável. A história ilustra a severa limitação que as observações ou experiências impõem à nossa aprendizagem, e a fragilidade do nosso conhecimento. Uma única observação é capaz de invalidar uma afirmação geral derivada de milênios de avistamentos de milhões de cisnes brancos. Basta uma única.

Dou um passo além dessa questão lógico-filosófica para uma realidade empírica, pela qual sou obcecado desde a infância. O que chamamos aqui de Cisne Negro é um evento com os três seguintes atributos:

Primeiro, trata-se de um outlier, um ponto fora da curva, pois escapa do reino das expectativas regulares, uma vez que nada no passado consegue apontar de modo convincente para essa possibilidade. Segundo, exerce um impacto extremo (diferente da ave). Terceiro, apesar de seu status de anormalidade, a natureza humana nos faz engendrar explicações para sua ocorrência após o fato, tornando-o um evento explicável e previsível.

Cisne Negro = Raridade + Impacto Extremo + Previsibilidade Retrospectiva

Um pequeno número de Cisnes Negros explica quase tudo em nosso mundo, do sucesso de ideias e religiões à dinâmica de eventos históricos, passando por elementos de nossa vida pessoal. Desde que saímos do Plistoceno, cerca de dez milênios atrás, o efeito desses Cisnes Negros vem se acentuando. Começou a acelerar durante a Revolução Industrial, à medida que o mundo ficava mais complicado, ao passo que eventos comuns, aqueles que estudamos, debatemos e tentamos prever a partir da leitura dos jornais, tornaram-se cada vez mais irrelevantes.

Exemplos de Cisnes Negros:

  • Quebra da Bolsa de Valores de 1929 – O crash do mercado de ações nos EUA deu início à Grande Depressão e teve efeitos devastadores na economia global.

  • Ataques de 11 de setembro de 2001 – Os atentados terroristas às Torres Gêmeas nos EUA mudaram radicalmente as políticas de segurança global e levaram a guerras prolongadas.

  • Crise Financeira de 2008 – O colapso do mercado imobiliário dos EUA, combinado com a falência do Lehman Brothers, desencadeou uma crise financeira global.

  • Ascensão do Bitcoin e Criptomoedas – A criação do Bitcoin em 2009 e sua ascensão como ativo financeiro inesperado revolucionou o setor financeiro.

  • Pandemia de COVID-19 (2020) – O surto do novo coronavírus causou impactos sanitários, econômicos e sociais globais, levando a lockdowns, recessão e mudanças no estilo de vida.

  • Colapso da União Soviética (1991) – A dissolução da URSS foi um evento inesperado que mudou completamente a ordem geopolítica mundial.

  • Explosão de Chernobyl (1986) – O desastre nuclear teve impactos ambientais, políticos e econômicos de longo prazo, afetando a credibilidade da União Soviética.

  • Eleições e Movimentos Populistas Inesperados – Como a vitória do Brexit (2016) e a eleição de Donald Trump (2016), ambos eventos que contrariaram previsões políticas convencionais.

  • Tsunami e Acidente Nuclear de Fukushima (2011) – Um terremoto seguido de tsunami no Japão causou o desastre nuclear em Fukushima, mudando as políticas energéticas globais.

  • Revolução Industrial – Embora tenha sido um processo gradual, o impacto da industrialização foi extremamente imprevisível e mudou drasticamente a sociedade.

Adicione ao fenômeno o fato de que tendemos a agir como se ele não existisse. Não me refiro apenas a mim, a você ou a seu vizinho, mas a praticamente todos os “cientistas sociais” que, por mais de um século, atuaram sob a falsa convicção de que suas ferramentas eram capazes de medir a incerteza. Pois as aplicações das ciências da incerteza a problemas do mundo real tiveram efeitos ridículos; tive o privilégio de ver isso acontecer nas finanças e na economia. Pergunte ao seu gestor de portfólio de investimentos como ele definiria “risco”, e o mais provável é que ele forneça a você uma medida que exclui a possibilidade do Cisne Negro.

A ideia central deste livro diz respeito à nossa cegueira em relação à aleatoriedade, em especial aos grandes desvios: por que será que nós, cientistas ou leigos, figurões ou zé-ninguém, tendemos a exergar os centavos em vez do pote de ouro? Por que continuamos nos concentrando nas minúcias em vez de focar nos grandes eventos possíveis, apesar da óbvia evidência de que sua influência é enorme? E, se você acompanhar meu argumento, por que ler os jornais acaba, na verdade, reduzindo nosso conhecimento do mundo?

Aprendendo a aprender

É necessário aqui, bem como é minha prioridade no restante do livro, virar a sabedoria convencional de ponta-cabeça e demonstrar o quanto ela é inaplicável em nosso ambiente moderno, complexo e cada vez mais recursivo.

Mas há uma questão mais profunda: nossa mente foi feita para que finalidade? Aparentemente saímos de fábrica com o manual de instruções errado. Nossa mente não aprece ter sido criada para o pensamento e a instrospecção; se tivesse, as coisas seriam mais fáceis para nós hoje em dia, mas também não estaríamos aqui agora, e eu tampouco estaria aqui para falar sobre o assunto – meu ancestral contrafactual, introspectivo e absorto em pensamentos teria sido devorado por um leão, ao passo que o primo dele, pouco afeito à reflexão, mas com reações mais rápidas, teria corrido em busca de abrigo. Tenha em mente que pesar consome tempo e geralmente exige grande dispêndio de energia, que nossos antecessores passaram mais de 100 milhões de anos como mamíferos não pensantes e que,  durante o átimo de história em que passamos a usar nosso cérebro. As evidências mostram que pensamos muito menos do que acreditamos – exceto, é claro, quando pensamos a respeito disso.

Um novo tipo de ingratidão

Há hérois ainda mais maltratados — a tristíssima categoria daqueles que não sabíamos que eram heróis, que salvaram nossa vida, que nos ajudaram a evitar desastres. Eles partiram sem deixar vestígios e sequer sabiam que estavam dando uma contribuição. Nós nos lembramos dos mártires que morreram por uma causa conhecida, jamais daqueles, não menos eficazes em sua contribuição, de cuja causa nunca ouvimos falar — precisamente porque foram tão bem-sucedidos.

O sentimento de inutilidade que acomete o herói silencioso.

Há hérois ainda mais maltratados — a tristíssima categoria daqueles que não sabíamos que eram heróis, que salvaram nossa vida, que nos ajudaram a evitar desastres. Eles partiram sem deixar vestígios e sequer sabiam que estavam dando uma contribuição. Nós nos lembramos dos mártires que morreram por uma causa conhecida, jamais daqueles, não menos eficazes em sua contribuição, de cuja causa nunca ouvimos falar — precisamente porque foram tão bem-sucedidos.

Parte 1: A ANITBIBLIOTECA DE UMBERTO ECO, OU COMO BUSCAMOS VALIDAÇÃO

O escritor Umberto Eco pertence àquela reduzida classe de doutores acadêmicos que são enciclopédicos, perspicazes e nada enfadonhos. É dono de uma vasta biblioteca pessoal (contendo 30 mil livros) e separa os visitantes em duas categorias: aqueles que reagem com “Uau! Signore professore dottore Eco, que magnífica biblioteca o senhor tem! Quantos desses livros o senhor já leu?” e os outros — uma minoria muito pequena —, que entendem que uma biblioteca particular não é um apêndice que estimula o ego, mas uma ferramenta de pesquisa. Livros lidos são muito menos valiosos do que os não lidos. A biblioteca deve conter a maior quantidade possível do que você não sabe, tanto quanto seus recursos financeiros, taxas hipotecárias e o atualmente restritíssimo mercado imobiliário permitirem que você coloque lá dentro. Você acumulará mais conhecimento e mais livros à medida que for envelhecendo, e as fileiras cada vez maiores de livros não lidos nas estantes vão encarar você com uma expressão ameaçadora. Na verdade, quanto mais você saber, mais abarrotada as prateleiras de livros não lidos. Vamos chamar essa coleção de livros não lidos de antibiblioteca.

Temos a tendência de tratar nosso conhecimento como uma propriedade pessoal a ser protegida e defendida. É um ornamento que nos permite ascender na hierarquia social. Portanto, essa tendência de ofender a sensibilidade da biblioteca de Eco ao concentrar-se no conhecido é uma propensão humana que se estende às nossas operações mentais. As pessoas não andam por aí carregando anticurrículos que dizem o que elas não estudaram ou em que áreas não têm experiência alguma (isso é o trabalho dos concorrentes), mas seria bom se o fizessem. Assim como precisamos colocar de pernas para o ar a lógica da biblioteca, trabalharemos para virar de ponta-cabeça o próprio conhecimento. Note que o Cisne Negro surge da nossa incompreensão da probabilidade de surpresas, aqueles livros não lidos, porque levamos um pouco a sério demais as coisas que sabemos.

Vamos chamar um antiacadêmico — alguém que se concentra nos livros não lidos e se esforça para não tratar seu conhecimento como um tesouro, ou mesmo uma propriedade, tampouco um dispositivo de aumento da autoestima — de empirista cético.

Os capítulos desta seção abordam a questão de como nós, humanos, lidamos com o conhecimento — e nossa preferência pelo anedótico em relação ao empírico.

O capítulo 1 apresenta o Cisne Negro como algo enraizado na história de minha própria obsessão.
No capítulo 3, farei uma distinção decisiva entre as duas variedades de aleatoriedade.
O capítulo 4 retorna brevemente ao problema do Cisne Negro em sua forma original: como tendemos a generalizar a partir do que vemos. Em seguida apresento as três facetas do mesmo problema do Cisne Negro:
Capítulo 5 a) o erro  de confirmação, ou como estamos propensos a desprezar injustamente a parte virgem da biblioteca (a tendência de olhar para aquilo que confirma nosso conhecimento, não nossa ignorância).;
capítulo 6, b) a falácia narrativa, ou como nos enganamos com historinhas e anedotas;
capítulo 7, c) como as emoções atrapalham nossa capacidade de fazer deduções;
capítulo 8, d) o problema das evidências silenciosas, ou os truques que a história usa para esconder de nós os Cisnes Negros.
O capítulo 9 discute a falácia letal de construir conhecimento a partir do mundo dos jogos.

Joseph Eichler

“As pessoas que são loucas o suficiente de pensar que podem mudar o mundo são as que mudam.”
-Comercial “Pense diferente”, da Apple, 1997

“Eichler fez algo incrível, suas casas eram inteligentes, baratas e boas. Levaram design clean e bom gosto para pessoas pobres. Tinham detalhes incríveis, como aquecimento solar do piso. Você coloca carpete, e tínhamos um belo e aquecido piso quando éramos crianças.”

“Amo quando podemos misturar um bom design e funcionamento simples gerando algo que não custa muito”, disse enquanto indicava a elegância simples das casas. “Era a visão original da Apple. Foi o que tentamos fazer com o primeiro Mac. Foi o que fizemos com o iPod.”

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